O MAIOR ECOSSISTEMA DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE DO BRASIL

Artmed

O MAIOR ECOSSISTEMA DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE DO BRASIL

Artmed
  • Home
  • Conteúdos
  • Acidente isquêmico transitório (AIT): manejo na emergência

Acidente isquêmico transitório (AIT): manejo na emergência

O acidente isquêmico transitório (AIT) é uma emergência médica causada por um evento isquêmico cerebral e, desta forma, intimamente relacionada com os acidentes vasculares cerebrais (AVCs). Estima-se que sua incidência seja 0,7 eventos para cada 1000 pessoas ao ano. Sua definição evoluiu nas últimas décadas para contemplar as mudanças que o uso de trombolítico promoveu no cuidado de pacientes com déficit neurológico súbito. Assim, migrou-se de uma definição arbitrária de tempo (sintomas isquêmicos que resolviam em 24 horas) para uma definição baseada em tecido.

Desta forma,
AIT é um episódio de alterações neurológicas que duram menos de 24 horas causadas por isquemia focal (no cérebro, medula ou retina) sem evidência de infarto
. Além desta, algumas vezes utiliza-se uma definição operacional de AIT como sintomas neurológicos súbitos de etiologia isquêmica, mas que resolvem de forma completa em 1 hora.   

Em uma primeira olhada, o AIT pode dar a impressão de ser um evento benigno, uma vez que na sua definição está a resolução completa dos sintomas. Entretanto, AITs são considerados uma emergência e devem ser prontamente manejados por que estão muito relacionados ao desenvolvimento de um AVC subsequente – mais de 10% dos pacientes em 90 dias. Em suma, AIT e AVC são dois espectros do mesmo evento básico (isquemia cerebral), em que o AIT não há dano demonstrável e permanente no sistema nervoso central. Isso ajuda a compreender por que AIT e AVC menor (déficits pontuando 5 ou menos na escala NIHSS) são manejados como uma mesma condição.  

Você encontrará a seguir uma revisão da avaliação e do manejo imediato recomendado para pessoas que sofrem um AIT.   

Avaliação clínica
 

Grande proporção dos pacientes com AIT se apresenta assintomático ou com sintomas em resolução ao chegar no departamento de emergência. Assim, a suspeita é muito baseada na história com o paciente, mas também com pessoas que assistiram o surgimento dos sintomas. O diagnóstico depende de um quadro compatível e dos achados de neuroimagem. Na
Tabela 1
temos os sintomas típicos e atípicos de AIT. A presença de sintomas típicos, restritos a um território vascular cerebral único e com curta duração reforça muito o diagnóstico. Outros aspecto tradicional do quadro é surgimento dos sintomas já no nível máximo (sem ir progredindo ao longo de horas). Já sintomas atípicos ocorrem na minoria dos pacientes com AIT (~10%) e, nesta situação, a possibilidade de diagnósticos alternativos deve ser mais fortemente considerada. As principais alternativas diagnósticas também estão apresentadas na
Tabela 1
.  

Tabela 1.
Sintomas típicos e atípicos de acidente isquêmico transitório e principais diagnósticos diferenciais. Criado a partir da referência 3. 

Além da caracterização dos sintomas, é importante investigar fatores de risco e possíveis desencadeantes e diagnósticos diferenciais. Assim, deve-se ativamente questionar sobre fibrilação atrial, diabetes, hipertensão, dislipidemia, doença arterial coronariana, tabagismo, bem como história de AVC, epilepsia, migranea e neoplasias. Jamais deve-se esquecer de realizar uma medida de glicemia capilar para afastar a possibilidade de hipoglicemia.   

Para as pessoas que a suspeita de AIT se mantém como a mais provável após a história e exame físico iniciais, deve-se solicitar exame de imagem cerebral. Se disponível, deve-se dar preferência para ressonância com difusão, por ser mais sensível para identificar áreas isquêmicas. Ainda assim, tomografia computadorizada (TC) de crânio é o exame mais disponível e tem boa capacidade de avaliar diagnósticos alternativos. Neste ponto, vale um pequeno comentário sobre a definição da doença: se apenas TC estiver disponível, é razoável realizar diagnóstico clínico de AIT se o exame for negativo e o paciente apresentar melhora completa dos sintomas em 24 horas. Neste momento é importante calcular o
escore ABCD2
, pois isso terá implicações no manejo.   

De forma concomitante, busca-se etiologia para o quadro incluindo avaliação de grandes vasos (angiotomografia, angioressonância, ecografia de carótidas), cardíaca (monitorização eletrocardiográfica e ecocardiograma) e laboratorial para avaliar causas metabólicas, infecciosas, hematológicas para o quadro. Quanto ao laboratório, na maioria dos pacientes realiza-se hemograma, creatinina e eletrólitos, hemoglobina glicada e perfil lipídico, tempo de protrombina e tromboplastina ativada. Outros exames dependem da suspeita e podem incluir marcadores inflamatórios, causas infecciosas e neoplásicas, entre outras.  

Risco subsequente de AVC
 

Diversos fatores determinam o risco de um AVC após um AIT. Eles incluem tempo, mecanismo do AIT e achados nos exames de imagem (quando se usa definição por tempo e não por tecido). O risco de AVC é decrescente ao longo do tempo, sendo que 40% dos eventos ocorrem nas primeiras 24-48 horas do AIT. Quanto ao mecanismo, eventos de pequenos e grandes vasos parecem ter maior risco de recorrência. Também, de forma esperada, pacientes com infartos (mesmo aquelas lesões identificadas apenas em exame de ressonância com difusão) tem maior risco de evoluirem com um AVC no acompanhamento. O mesmo ocorre naqueles que se identifica eventos isquêmicos prévios no momento agudo do AIT. Além disso, escore ABCD2 maior indica também risco aumentado, chegando a 8% para pessoas com escores acima de 6 pontos.   

Manejo - minimizando risco de AVC
 

Como pode-se perceber, o objetivo central no manejo de pacientes com AIT é minimizar o risco de um AVC e suas consequencias negativas em termos de morbi-mortalidade. Considerando isto e o risco aumentado de um AVC nas primeiras 48 horas (vide acima), a tendência é iniciar investigação e manejo com o paciente hospitalizado (por aproximadamente 72 horas). Pacientes de baixo risco e com possibilidade de investigação ágil em nível ambulatorial, podem ser manejados fora do hospital.  

Para controle do risco, realiza-se dois grupos de intervenções: manejo da etiologia presumida (com antiplaquetários ou anticoagulantes) e controle intensivo de fatores de risco. Enquanto investiga-se a etiologia (mas após afastar sangramento cerebral), recomenda-se estratificar o paciente de acordo o escore ABCD2: 

  • AIT com escore ABCD2 ≥4 e AVC menor: iniciar  combinação de aspirina (300 mg como dose de ataque e 100 mg após) por tempo indeterminado e clopidogrel (300-600 mg como dose de ataque e 75 mg após) por 21 dias para pacientes.  
  • AIT com escore ABCD2 < 4: aspirina isoladamente conforme esquema acima e por tempo indeterminado.   

A partir do momento inicial e destas regras gerais, o manejo deve ser ajustado conforme a etiologia presumida para o AIT: 

  • Pacientes com etiologia cardioembólica (principal causa é fibrilação atrial): iniciar anticoagulação e suspender antiplaquetários.  
  • Estenose de carótida interna sintomática: dupla-antiagregação e avaliação para revascularização. 
  • Doenças de grandes vasos e estenose de 70 a 99%: dupla antiagregação plaquetária por 21 a 90 dias. 
  • Etiologia presumida de pequenos vasos, criptogênico ou lesões de grandes vasos entre 50 e 69%: dupla antiagregação por 21 dias se AVC menor ou AIT com ABCD2 ≥4. 
  • Demais pacientes, apenas aspirina (ou outro antiplaquetário) por tempo indeterminado. 

 Por fim, não pode-se negligenciar a importância de controle adequado da hipertensão arterial, dislipidemia e hiperglicemia (em pacientes com diabetes). Além disso, um AIT pode ser a oportunidade para adotar hábitos de vida mais saudáveis, como suspensão do tabagismo, início de atividade físicas regulares, perda ponderal e redução do consumo de álcool.