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Apoio psicológico a familiares de pessoas que sofreram abuso sexual

Definição do abuso sexual e seus impactos
 

O abuso sexual é um problema de saúde pública estrutural e social, marcado por ser uma forma maus-tratos (violência) contra crianças e adolescentes. De acordo com a OMS, os maus-tratos são os tipos de violência perpetrados contra bebês, crianças e adolescentes, através de violência física, sexual, psicológica/emocional e negligência. O abuso sexual é considerado uma das formas de maus-tratos e é caracterizado pelo envolvimento de uma criança em atividades sexuais que ela não compreende completamente, não pode dar consentimento informado ou não está preparada em termos de desenvolvimento para tal atividade, violando as leis ou os tabus sociais da sociedade (OMS, 1999). 

O abuso sexual infantil pode ocorrer entre uma criança e um adulto ou outra criança em uma relação de responsabilidade, confiança ou poder, com a intenção de satisfazer as necessidades da outra pessoa, incluindo a indução ou coerção da criança em atividades sexuais ilegais, exploração sexual comercial ou produção de material pornográfico (OMS, 1999). 

Quatro categorias principais organizam a ocorrência do abuso sexual 

  • (a) abuso intrafamiliar, onde um membro da família comete o abuso por um longo período sem o conhecimento dos pais;  
  • (b) maus-tratos intrafamiliares, que frequentemente coincidem com outras formas de maus-tratos e negligência, sendo os pais os perpetradores;  
  • (c) abuso por pessoas de confiança externas à família, como treinadores, líderes de atividades ou babás; 
  • (d) abuso por estranhos, também conhecido como agressão sexual ou estupro (Foster, 2014).  

Embora o abuso por estranhos ocorra em uma porcentagem de casos (3-10% [dados estadounidenses]), é mais comum o abuso sexual ocorrer em relações conhecidas (Finkelhor, Hammer & Sedlak, 2008), resultando em quebra de confiança tanto para as crianças quanto para os pais não agressores (Foster, 2014).  

O impacto da revelação do abuso sexual na família
 

Quando os cuidadores não agressores se deparam com a revelação do abuso, suas reações podem variar significativamente. Muitos experimentam uma sensação de descrença e negação, que é semelhante ao choque e à angústia que um pai sente ao receber a notícia trágica da morte de seu filho. A ideia de que alguém próximo e confiável possa ter cometido tal ato é profundamente perturbadora e desafia as noções de segurança e confiança.

Esse impacto emocional intenso pode dificultar a aceitação da realidade do abuso e levar a uma reação inicial de negação, em que os cuidadores podem questionar a credibilidade da criança ou buscar explicações alternativas para o que foi revelado. É um momento de extrema vulnerabilidade para os cuidadores não agressores, que enfrentam o desafio de assimilar essa informação chocante e tomar decisões sobre como proteger a criança e buscar as medidas de justiça (Elliott & Carnes, 2001). 

Nesse sentido, profissionais de saúde mental têm como objetivo auxiliar os pais a manter a calma e focar nas necessidades da criança quando tomam conhecimento do abuso. Uma abordagem empática e sem julgamentos é mais eficaz do que confrontá-los de forma presumida, permitindo uma relação de confiança. Reconhecendo as emoções intensas dos pais, os profissionais podem oferecer suporte e orientação para lidar com a situação e tomar decisões informadas para o bem-estar da criança (Elliott & Carnes, 2001). 

Sentimentos como culpa, raiva e tristeza são frequentemente experienciados por pais de crianças e adolescentes quando tomam conhecimento do abuso. Muitas vezes, relatam se sentirem culpados por não terem conhecimento do abuso, por não reconhecerem os sinais de alerta ou por não terem conseguido intervir (Foster, 2014).  

Os cuidadores também podem enfrentar novos fatores de estresse após a revelação, incluindo mudança de residência, separação do suposto agressor, perda de apoio social (por exemplo, familiares e amigos que tomaram o lado do agressor), redução de renda e envolvimento com o sistema judicial (Corcoran, 2004).  

Além disso, os pais que têm seu próprio histórico de abuso sexual podem sentir uma angústia significativa, uma vez que a descoberta do abuso favorece a revivência de antigos traumas (Corcoran, 2004). 

Os irmãos também são afetados pelas mudanças decorrentes da revelação do abuso sexual na infância, podendo enfrentar diversos efeitos adversos, como angústia psicológica ao presenciar ou tomar conhecimento do abuso, maior risco de vitimização, mudanças na dinâmica familiar, mudança de residência, mudança de escola, perda de amigos, sentimentos de isolamento, vergonha e estigma, além de possíveis impactos financeiros na família.

O nível de apoio dos pais e dos colegas, bem como o funcionamento psicológico do irmão não abusado após a revelação do abuso, pode impactar na necessidade de suporte psicológico (Tavkar & Hansen, 2011). 

Assim como o apoio dos pais é crucial para o funcionamento da criança vítima de abuso sexual, o apoio dos irmãos também desempenha um papel significativo. O suporte emocional e prático dos irmãos não apenas fortalece o vínculo familiar, mas também pode contribuir para o bem-estar psicológico e social da criança vítima (Tavkar & Hansen, 2011). 

Diante desse contexto, os profissionais de saúde mental devem considerar o impacto do abuso na unidade familiar e desenvolver um plano de atendimento que atenda às necessidades individuais e às necessidades da família como um todo. 

Apoio parental
 

O apoio parental está consistentemente associado à adaptação das crianças vítimas de abuso sexual. A literatura apresenta evidências promissoras de que o tratamento cognitivo-comportamental, que combina intervenções tanto nos pais quanto nas crianças, pode levar a um melhor ajustamento tanto para a criança quanto para os pais e/ou mães (Elliott & Carnes, 2001).  

Um estudo com quarenta e nove crianças, com idades entre 7 e 14 anos, avaliou o impacto das características da criança e da família no resultado do tratamento de crianças vítimas de abuso sexual. Os principais preditores incluíam as atribuições e percepções da criança sobre o abuso, bem como o apoio dos pais. Os resultados mostraram que as atribuições e percepções da criança relacionadas ao abuso e o apoio dos pais à criança foram preditores significativos do resultado do tratamento. O reforço do apoio parental, portanto, pode ser um dos fatores significativos para otimizar o resultado do tratamento em crianças de vítimas de abuso sexual (Cohen & Mannarino, 2000). 

Intervenções familiares
 

Um estudo recente que revisou os tratamentos baseados em evidências para crianças e adolescentes expostos a eventos traumáticos encontrou que a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e a TCC focada no trauma (TCC-FT) são as abordagens com maior nível de respaldo de evidências, consideradas tratamentos bem estabelecidos (Dorsey et al., 2017).

O modelo da TCC-FT enfatiza a participação ativa dos cuidadores no tratamento de crianças vítimas de abuso sexual, com resultados indicando que a integração dos cuidadores ao longo do processo terapêutico pode melhorar os resultados e ter um impacto positivo no bem-estar das crianças (Brown, Cohen, & Mannarino, 2020). 

Durante a TCC-FT, os cuidadores recebem todos os componentes do tratamento em sessões individuais paralelas ou em sessões conjuntas com a criança. Eles são ensinados a realizar reestruturações cognitivas, a fim de reduzir o pensamentos distorcidos e questionar a auto-culpa da criança, além de trabalhar na crença de que o mundo é um lugar perigoso.

O comportamento dos cuidadores durante a intervenção pode prever os resultados das crianças, e o apoio que eles oferecem à criança, avaliado antes do início do tratamento, pode influenciar a ansiedade e a depressão relatadas pela criança após o tratamento.

Além disso, estudos mostram que o envolvimento dos cuidadores é mais importante do que o envolvimento da própria criança em intervenções destinadas a reduzir problemas de comportamento externalizantes, como agressão e comportamento desafiador (Brown, Cohen, & Mannarino, 2020). 

Algumas orientações importantes no apoio psicológico a vítimas e familiares de pessoas que sofreram abuso sexual podem ser encontradas no quadro abaixo: 

  • O abuso sexual é uma grave forma de maus-tratos contra crianças e adolescentes, tendo impactos físicos, psicológicos, sociais, econômicos e culturais significativos. 
  • O apoio familiar desempenha um papel crucial no processo de recuperação das pessoas que experienciam abuso sexual. 
  • Os cuidadores não agressores podem enfrentar uma gama de emoções intensas ao lidar com a revelação do abuso, como culpa, raiva, tristeza e negação. 
  • É importante que os profissionais de saúde mental ofereçam suporte empático e sem julgamentos aos cuidadores não agressores, auxiliando-os a lidar com a situação de forma adequada e tomar decisões informadas para proteger a criança. 
  • Além do apoio parental, intervenções familiares mais abrangentes, como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e a TCC focada no trauma (TCC-FT), são apoiadas por evidências como tratamentos bem estabelecidos para crianças e adolescentes expostos a eventos traumáticos. 
  • Ao desenvolver planos de atendimento, os profissionais de saúde mental devem considerar o impacto do abuso na unidade familiar e adaptar as intervenções para atender às necessidades individuais e familiares. 
  • Reforçar o apoio parental e trabalhar nas atribuições e percepções da criança relacionadas à situação de abuso podem ser fatores significativos para otimizar o resultado do tratamento em crianças vítimas de abuso sexual. 
  • É fundamental promover uma abordagem biopsicossocial para lidar com o abuso sexual, levando em consideração os aspectos cognitivos, emocionais, comportamentais, físicos e sociais das vítimas e suas famílias. 

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Como citar este artigo: Lobo, B. O. M., & Neufeld, C. B. (2024, 08 jul). Apoio psicológico a familiares de pessoas que sofreram abuso sexual. Artmed.

SOBRE A EDITORA-CHEFE

Carmem Beatriz Neufeld: 
Psicóloga. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP. Presidente da Associação Latino-Americana de Psicoterapias Cognitivas - ALAPCO (2019-2022). Presidente da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023).