CBTC 2024: confira os destaques do XVI Congresso Brasileiro de Terapias Cognitivas
O Congresso Brasileiro de Terapias Cognitivas é um evento anual que reúne terapeutas cognitivo comportamentais e pesquisadores das terapias cognitivo-comportamentais de todo o país, contando com convidados nacionais e internacionais.
O evento ocorre desde 1998, estando atualmente na sua 16a edição, que ocorreu em Natal, no estado do Rio Grande do Norte, dos dias 16 a 19 de abril. O evento esse ano abrilhantou os congressistas e palestrantes como o tema "Um mundo em transformação: desafios para as psicoterapias.
Confira abaixo os principais destaques do evento neste ano!
O tratamento da ansiedade social: o programa IMAS - Dr. Vicente Caballo
Vicente E. Caballo é doutor em Psicologia pela Universidade Autônoma de Madri e Catedrático de Psicopatologia na Universidade de Granada (Espanha), fundador e diretor da revista Behavioral Psychology/Psicologia Conductual, da Associação Psicológica Ibero-americana de Clínica e Saúde (APICSA) e do grupo de pesquisa Avanços na Psicopatologia e Terapia do Comportamento (APYTEC).
Na edição de 2024 do CBTC, Dr. Caballo abordou, entre outros temas, o tratamento da ansiedade social através do Programa de Intervenção Multidimensional para Ansiedade Social (IMAS), traduzido e adaptado para o português brasileiro.
O IMAS abrange um trabalho de mais de 15 anos realizado pelos autores sobre ansiedade social em países ibero-americanos como Espanha, Brasil, Portugal, entre outros. O programa combina estratégias terapêuticas das chamadas terapias contextuais, como
terapia de aceitação e compromisso
(ACT), atenção plena (
mindfulness
) ou
terapia comportamental dialética
(DBT), com técnicas da terapia cognitivo-comportamental, como reestruturação cognitiva, exposição e treinamento em habilidades sociais.
Trata-se de um programa em grupo, com até 10 participantes, que possui uma série de vantagens sobre o programa trabalhado de forma individual. São sessões de 2 horas e meia semanais, sendo 15 sessões de tratamento, duas sessões de avaliação, sessões de apoio e sessões de follow up. Dr. Caballo destaca que é crucial que a principal demanda de tratamento para os participantes do grupo seja relacionada à ansiedade social, para manter a coesão grupal e a motivação dos integrantes para o tratamento.
Em linhas gerais, o tratamento cognitivo-comportamental do Transtorno de Ansiedade Social (TAS) no Programa IMAS envolve módulos: (a) Exposição: ao vivo, simulada e pela imaginação; (b) Reestruturação cognitiva: através da Terapia Racional Emotiva (TREC de Albert Ellis); Terapia Cognitiva (Aaron Beck) e Treinamento de Auto-instruções; (c) Treinamento de habilidades sociais; (d) Gerenciamento da ansiedade: respiração; relaxamento; distração e (e) Tarefas de casa. Além das técnicas habituais para o tratamento do TAS foram incluídos:
- Valores para a vida;
- Desvinculação dos pensamentos (desfusão dos pensamentos);
- Atenção plena (mindfulness);
- Aceitação;
- Cinco dimensões básicas do TAS.
Reflexões sobre a vergonha e suas implicações na clínica - Dra. Eliane Falcone
A Profa. Dra. Eliane Falcone é professora associada do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e docente do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social da mesma instituição. Supervisiona estágio clínico em Terapia Cognitivo-Comportamental e orienta pesquisas de mestrado e doutorado sobre temas relacionados às habilidades sociais, empatia, relação terapêutica e personalidade.
Durante a XVI edição do CBTC, Eliane Falcone abordou algumas importantes reflexões sobre o sentimento de vergonha e suas implicações na clínica. Inicialmente, sua fala contempla as experiências precoces de vergonha, em que a criança inicialmente interage com os pais em um papel de cuidadores, mas que em um segundo momento esse papel se modifica para o papel de socializadores, momento em que algumas bases da vergonha começam a ser alicerçadas.
Falcone indica os estudos de P. Ashley (2020), Shame-Informed Therapy: Treatment Strategies to Overcome Core Shame and Reconstruct the Authentic Self. Ashley aponta que é a partir de 1 ano de idade em que iniciam-se as quebras do papel de cuidador, e redes de segurança e confiança se enfraquecem e vão sendo podadas. A criança passa a ter consciência do outro, reconhece-se a si no espelho e passa a ter cuidado ao estar sendo observado, fundando as bases para a vergonha.
Falcone traz ainda os estudos de Gilbert (2017; 1998) sobre vergonha, enquanto um fator transdiagnóstico: o autor destaca o sentimento de vergonha como mais importante em quadros depressivos que a culpa, além de ser experienciada como avassaladora e incapacitante, tornando as pessoas suscetíveis à desconexão e ao isolamento e invoca mais raiva, incluindo desejo de punir os outros, competir, se esconder ou se vingar. Está associada, portanto, a sentimentos de desamparo e inferioridade.
Dr. Eliane Falcone enfatiza a ideia de que a vergonha deve ser trabalhada ativamente, amplamente validada e expressada diretamente. É necessário incentivar os clientes a, quando a vergonha é sentida, enfrentar, aceitando a vergonha. Quanto aos efeitos das intervenções para vergonha, ainda não há evidências sólidas sobre como trabalhar o sentimento na clínica.
Falcone aponta que pesquisas futuras são necessárias para: (a) melhor conceituação da vergonha, (b) identificação dos ingredientes ativos das intervenções, (c) exploração dos benefícios potenciais para a saúde da diminuição da vergonha e (d) avaliações das abordagens personalizadas para populações e contextos específicos para uma redução eficaz da vergonha. Estudos emergentes apontam para intervenções especificamente concebidas para reduzir a vergonha, como a Terapia Focada na Compaixão, Terapia de grupo de AutoAceitação e Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), que são promissoras.
Finalmente, Falcone aponta que estudos clínicos randomizados, com avaliação por módulos poderiam ajudar a esclarecer algumas lacunas sobre o que é eficaz para a redução da vergonha.
Democratização de intervenções baseadas em evidências: competências para fazer chegar a melhor intervenção a quem mais se beneficiará dela - Dra. Carmem Beatriz Neufeld
A Prof. Dra. Carmem Beatriz Neufeld é professora associada da Universidade de São Paulo e coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo Comportamental. Sua linha de pesquisa envolve a TCC aplicada a diversos contextos, principalmente na modalidade grupal, com foco nos países da América Latina.
Durante sua fala, a professora salientou o discurso sedutor das redes sociais em relação ao trabalho do psicólogo: um trabalho focado na psicologia clínica individual. A professora discutiu as evidências para diversas demandas em saúde mental, de modo que grande parte dos transtornos poderia ser tratada com intervenções diversas (sendo, inclusive, mais eficaz uma intervenção grupal do que individual para determinadas populações). Neste sentido, a professora faz um convite à reflexão, sobre o quanto estamos produzindo ciência e nos lançando a uma atuação socialmente responsável e cuidadosa.
Como literatura complementar e forma de maior aprofundamento na temática trabalhada pela professora, segue um dos livros mais recentes que a Profa. dra. Carmem Beatriz Neufeld publicou: Neufeld, C. B., & Barletta, J. B. (2023). Ensino, Formação e Supervisão em Psicologia: Uma Perspectiva Baseada em Evidências. Artmed Editora.
The Journey to Expertise: Improving Therapy Outcomes - Dra. Donna Sudak
A Dra. Donna Sudak é atualmente professora e vice-presidente de Educação no Departamento de Psiquiatria da Drexel University, além de ser diretora de residência e treinamento em psicoterapia no Tower Health, em Phoenixville Hospital. Notadamente, seus trabalhos mais celebrados tratam de como oferecer uma prática clínica de qualidade e sobre ensino e supervisão em Terapia Cognitivo-Comportamental.
Nesta palestra, a Dra. Donna expôs à audiência alguns achados a partir de sua trajetória de estudos na prática clínica, que colaboraram para a compreensão de como um psicoterapeuta poderia se tornar expert em sua própria área de atuação.
Em primeiro lugar, a Dra. Donna aponta que não apenas é importante ter talento, mas também praticar muito, e principalmente ter o desejo de se tornar um expert. A partir disso, buscar feedbacks ao máximo, pois quando um profissional não recebe feedback de seus pares ou de colegas mais experientes, pode continuar praticando errado.
Dra. Donna Sudak também chama a atenção para o processo de automatização que ocorre na aprendizagem, como quando estamos aprendendo a dirigir um carro, depois que praticamos muito, a direção se torna praticamente automática, o que pode dar margem para certos erros permanecerem sem que percebamos, ou até mesmo que não tenhamos a oportunidade de ver onde poderíamos melhorar.
Salienta também que feedbacks dificilmente virão sem serem solicitados, por isso é importante buscá-los deliberadamente, inclusive dos próprios pacientes. Por fim, a Dra. Donna também discorreu sobre a importância de mensurar o andamento do progresso com os pacientes sessão por sessão, utilizando testes psicométricos validados, entre outras estratégias de avaliação.
Inspiring Hope and Reducing Risk: Using CBT in the Suicidal Client - Dra. Donna Sudak
O minicurso da professora estadounidense Dra. Donna Sudak encheu o primeiro dia do CBTC com muito conhecimento e reflexões sobre o tratamento baseado em evidências para pacientes suicidas.
Inicialmente, a professora apresentou dados sobre a prevalência de suicídio tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil. Neste momento, ficou evidenciado os impactos deste problema em relação a sua alta prevalência nos dois países, somado muitas vezes ao acesso reduzido de tratamentos de qualidade, especialmente no Brasil.
A professora nos chama atenção que os dados de prevalência no Brasil ainda são um pouco problemáticos, devido à falta de padronização em relação aos registros. Em um segundo momento, a professora levanta características psicológicas, cognitivas e neuropsicológicas que se associam aos riscos para o suicídio, incluindo déficits no controle dos impulsos, desregulação emocional, viés atencional negativo etc.
Um aspecto relevante que a Dra Donna pontuou para compreensão do suicídio é a desesperança, que acontece quando o indivíduo perde o “gosto de viver” e não consegue enxergar um futuro próspero ou não consegue ver um futuro sem o sofrimento. Neste sentido, a professora levantou a importância de se realizar o plano de segurança como medida inicial e essencial para pacientes suicidas ou com risco de suicídio.
O plano de segurança quando feito com cuidado e de forma colaborativa com o paciente, garante levantar estratégias que podem ser realizadas quando os pacientes se sentem angustiados e desesperançosos e levanta as razões para uma vida que vale a pena ser vivida. Esses dois pontos foram bastante salientados durante a palestra, tendo sido incentivados a serem inclusive praticados dentro de três propostas de roles-plays que foram realizadas entre os colegas congressistas a partir de um caso fictício disponibilizado pela palestrante.
Por fim, Dra Donna apresentou os resultados de seu trabalho na clínica com pacientes suicidas utilizando um protocolo de terapia cognitivo comportamental. Aqui vale pontuar algo que foi bastante ressaltado pela professora: se trata o suicídio com intervenções voltadas para esse problema. Isso significa que quando tratamos, por exemplo, sintomas depressivos, não quer dizer que estamos tratando o suicídio em si ou o risco dele acontecer. Dessa forma, o suicídio é uma que precisa ser compreendido, tratado e/ou prevenido considerando estratégias e protocolos específicos para este problema.
Conclusão
A edição de 2024 do Congresso Brasileiro de Terapias Cognitivas trouxe palestrantes de renome a nível nacional e internacional, discutindo temas atuais e pertinentes. O evento contou ainda com diversos simpósios, mesas redondas, workshops, sessões de comunicação oral e apresentações de pôsteres, discutindo os principais desafios para as psicoterapias cognitivas. Aguardamos ansiosamente pela próxima edição, em 2025 na cidade de Florianópolis!
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Autoras
- Beatriz de Oliveira Meneguelo Lobo
Psicóloga e Mestra em Psicologia (área de concentração Cognição Humana) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutoranda em Psicologia em Saúde e Desenvolvimento pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP), com bolsa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais e com Formação em Terapia do Esquema. Professora em cursos de Pós-Graduação em Terapia Cognitivo-Comportamental, Terapia Cognitivo-Comportamental na Infância e Adolescência e Terapia do Esquema. Supervisora Clínica. Pesquisadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC-USP da Universidade de São Paulo (USP).
- Camila Alves de Amorim
Psicóloga pela Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP) e Mestra em Ciências (Psicobiologia) pela FFCLRP-USP. Especialista em Clínica Analítico-comportamental. Supervisora Clínica em cursos de Pós-Graduação em Terapia Cognitivo-Comportamental na Infância e Adolescência. Formação em Terapia de Esquemas. Doutoranda e Supervisora Clínica no Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP).
- Alessandra Luzia de Rezende
Psicóloga e mestranda em Psicologia em Saúde e Desenvolvimento pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Possui formação em Psicologia Baseada em Evidências pelo InPBE. Foi co-fundadora da Liga de Terapias Cognitivo-Comportamentais da USP-RP (LiTCC-USP). Atualmente é Pesquisadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP).
- Myrian Machado de Paula Silveira
Psicóloga e Mestra em Neurociências pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG-BH). Doutoranda no programa de pós-graduação em Psicobiologia da Universidade de São Paulo - Ribeirão Preto (USP-RP). Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais e com Formação em Terapia do Esquema. Pesquisadora no Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCL-RP) da Universidade de São Paulo (USP).
SOBRE A EDITORA-CHEFE
Carmem Beatriz Neufeld:
Psicóloga. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP. Presidente da Associação Latino-Americana de Psicoterapias Cognitivas - ALAPCO (2019-2022). Presidente da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023).