Terapia Cognitiva Baseada em Mindfulness (MBCT): o que é, aplicação e evidências
O que é a MBCT?
A Mindfulness-Based Cognitive Therapy (MBCT; Terapia Cognitiva Baseada em Mindfulness) foi desenvolvida em 2002 por Segal, Teasdale e Williams, para o tratamento da depressão recorrente (Segal, Williams, & Teasdale, 2012).
A MBCT é fundamentada na integração da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e do Programa de Redução de Estresse Baseado em Mindfulness (MBSR) de Kabat-Zinn, visando não apenas reduzir os sintomas depressivos, mas também prevenir recaídas futuras (Kuyken et al., 2010). É uma abordagem que se concentra na interrupção do ciclo de recorrência depressiva, no qual pensamentos ruminativos e padrões negativos de pensamento e emoção se retroalimentam.
A focalização principal reside na transformação da consciência em relação ao eu e aos diversos estados mentais, incluindo pensamentos, emoções, sensações e impulsos. Em vez de concentrar-se exclusivamente no conteúdo específico dos pensamentos, essa abordagem prioriza a compreensão e a modificação dos processos mentais subjacentes (Almeida, Demarzo, & Neufeld, 2020; Kuyken et al., 2010).
O mindfulness, ou atenção plena, é definido como consciência não avaliativa do momento presente. É usado na MBCT para ajudar as pessoas a se desengajarem de seus pensamentos ruminativos, promovendo um distanciamento e uma descentralização dos pensamentos e sentimentos relacionados à depressão (Kabat-Zinn, 2003; MacKenzie & Kocovski, 2016).
A definição de mindfulness de Kabat-Zinn, como concentração intencional no momento presente sem julgamento, serve como base para a aplicação da MBCT. A prática do mindfulness ajuda os indivíduos a reconhecer e interromper os padrões automáticos de pensamento, trazendo-os para o presente e permitindo uma resposta consciente às experiências.
É um estado que contrasta com o “piloto automático” comum em que a as pessoas vivem na maioria do tempo, em que pensamentos passados ou futuros são distratores do momento presente (Vandenberghe & Sousa, 2006).
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Como é a MBCT?
O formato da MBCT envolve, tradicionalmente, sessões de grupo ao longo de 8 semanas, com práticas de mindfulness e práticas meditativas, como a varredura corporal e o treinamento da respiração.
A psicoeducação também desempenha um papel fundamental, permitindo que os participantes desenvolvam uma maior consciência de seus pensamentos negativos e padrões cognitivos associados à depressão.
A prática contínua de mindfulness ajuda a desenvolver a capacidade de responder às experiências internas com paciência, gentileza, curiosidade e empatia. Isso envolve o processo de se distanciar dos pensamentos negativos e das reações automáticas, substituindo-os por um estado de “ser” consciente, em que a experiência é aceita sem julgamento.
Esse processo envolve o enfrentamento de experiências internas angustiantes (ou seja, pensamentos, sentimentos) com paciência, gentileza, curiosidade e empatia (Korman, & Garay, 2012). Apesar de ter sido desenvolvida para o formato grupal, a MBCT pode também ser trabalhada individualmente, com estudos que indicam redução significativa nos sintomas de ansiedade, depressão e estresse (Almeida, Demarzo, & Neufeld, 2020).
Evidências de eficácia da MBCT
Em um estudo de metanálise, que examinou a eficácia MBCT na prevenção de recaídas depressivas, essa abordagem terapêutica foi associada a um risco reduzido de recaída em comparação com outros tratamentos ativos, incluindo antidepressivos.
Além disso, os resultados deste estudo sugerem também que a MBCT pode ser mais eficaz para indivíduos com sintomas depressivos mais graves (Kuyken et al, 2016). Nesse sentido, em um estudo de metanálise, que incluiu 13 ensaios clínicos randomizados com um total de 1.046 participantes, os resultados mostraram que a MBCT é eficaz para indivíduos com sintomas depressivos atuais. No que tange ao acompanhamento de follow up, os resultados indicam que a MBCT não difere de outras terapias ativas, tanto no pós-tratamento quanto no acompanhamento mais longo (Goldberg et al., 2019).
A MBCT tem apresentado ainda eficácia para sintomas de ansiedade, conforme foi demonstrado em estudos de revisão sistemática e metanálise. Em uma recente revisão, que examinou estudos clínicos randomizados de abordagens baseadas em mindfulness, entre elas a MBCT, foi verificado que as intervenções proporcionaram melhoras de curto prazo nos sintomas de ansiedade, em comparação com tratamentos convencionais.
Quando comparada à TCC, a MBCT e a
Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT)
tiveram efeitos semelhantes nos resultados de ansiedade, depressão e qualidade de vida. No entanto, as evidências de efeitos a longo prazo foram limitadas (Haller, Breilmann, Schröter, Dobos, & Cramer, 2021).
Considerações finais
A MBCT foi desenvolvida como uma possibilidade de tratamento para pessoas com depressão recorrente, de forma a integrar a TCC e o Programa de Redução de Estresse Baseado em Mindfulness de Kabat-Zinn.
A MBCT tem como foco, além de reduzir a sintomatologia depressiva, prevenir recaídas, através da interrupção do ciclo de recorrência depressiva, em que há uma retroalimentação de pensamentos ruminativos, negativos e emoções negativas. O pilar dessa abordagem é o mindfulness, ou atenção plena, que direciona a resposta consciente às experiências presentes.
A eficácia da MBCT foi evidenciada por estudos de revisão sistemática e metanálise, indicando tanto capacidade de prevenção de recaídas depressivas quanto de tratamento de indivíduos com sintomas depressivos atuais.
Além disso, a MBCT demonstrou ser eficaz na redução de sintomas de ansiedade, especialmente em curto prazo, apesar de haver necessidade de maiores evidências de seus efeitos em longo prazo.
Como citar este artigo:
Lobo, B. O. M., & Neufeld, C. B. (2023, 08 ago).
Terapia Cognitiva Baseada em Mindfulness (MBCT)
. Blog do Secad.
Editoria de Psicologia
Editora-chefe:
Carmem Beatriz Neufeld.Psicóloga. Livre docente em TCC pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutora e Mestra em Psicologia pela PUCRS. Fundadora e Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP. Presidente da Federação Latino Americana de Psicoterapias Cognitivas e Comportamentais - ALAPCCO (2019-2022). Presidente-fundadora da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023). Bolsista Produtividade do CNPq.
Referências
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