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Conceitualização cognitiva: o que é e como fazer?

A conceitualização cognitiva é um processo central na Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), envolvendo a compreensão do funcionamento do paciente e seu contexto. É uma forma de organizar e integrar informações relevantes sobre os pensamentos, crenças, emoções e comportamentos do paciente, a fim de entender profundamente como esses elementos interagem e contribuem para os problemas, sintomas e demandas atuais (Beck, 2022; Neufeld & Cavenage, 2010). 

A construção da conceitualização cognitiva começa desde o primeiro encontro com o paciente, durante o processo de avaliação, e é continuamente revisitada ao longo da terapia, refletindo sua natureza dinâmica. Após a avaliação, juntamente com a conceitualização e metas do paciente, se torna possível construir o plano de tratamento eficaz. Assim, a conceitualização é a base do processo interventivo (Beck, 2022). 

Como construir a conceitualização cognitiva?
  

Para iniciar a elaboração da conceitualização cognitiva, é crucial seguir um processo de avaliação abrangente, visando compreender não apenas o paciente, mas também os fatores externos que podem influenciar, bem como a natureza de suas demandas, além de como esses elementos se interconectam. Isso inclui a consideração dos fatores desencadeantes e perpetuadores da situação/problema (Beck, 2022). 

Dessa forma, durante a conceitualização cognitiva, o terapeuta explora diversos aspectos, começando pela compreensão de como o problema se desenvolve e como o modelo cognitivo se relaciona com o problema, sintoma ou demanda (Beck, 2022; Neufeld & Cavenage, 2010).

Ou seja,
quais são as situações que desencadeiam o problema? Quais emoções emergem nessas situações? Que pensamentos o paciente tem em relação a elas? Como ele reage (comportamentos)? Existem respostas fisiológicas?
Assim, é fundamental abordar todas as várias dimensões relacionadas ao problema (ver Figura 1). 

Após compreender a manifestação do problema, e os elementos interconectados na situação atual, é crucial investigar os fatores precipitantes, ou seja, os estímulos que podem desencadear o problema. Para isso, é fundamental explorar a história de vida do paciente. Questões relacionadas ao desenvolvimento são relevantes, mesmo para pacientes adultos, assim como a análise de predisposições, como histórico familiar de psicopatologias (Beck, 2022). 

Uma vez compreendidos os antecedentes, é essencial examinar as consequências decorrentes do problema, incluindo os fatores de manutenção. Estes últimos estão diretamente ligados aos estilos de enfrentamento do paciente, que podem envolver estratégias de manutenção, esquiva ou hipercompensação (Beck, 2022).

Portanto, é importante questionar:
como o paciente lida com esse problema? Como o ambiente reage ao comportamento do paciente?
Nesse sentido, compreender o contexto em que o paciente está inserido é crucial, pois ele pode desempenhar um papel na perpetuação do problema. 

Para ilustrar, apresenta-se o caso fictício do Sr. José, 65 anos, viúvo, aposentado, porém ainda trabalha como taxista para complementar sua renda da aposentadoria. Sr. José tem três filhos, porém nenhum reside com eles. Após o falecimento de sua esposa há 2 anos, Sr. José começou a apresentar sintomas depressivos, se isolando de familiares e amigos. Assim, ele trabalha de segunda a sábado e nas horas vagas opta por ficar em casa na frente da televisão. Quando os filhos ligam ou o visitam, Sr. José demonstra dificuldade em estabelecer conversas significativas, respondendo apenas o essencial. Frequentemente, ele expressa sentimentos de solidão e inutilidade, acreditando que sua vida está perdendo o sentido. Embora seus filhos tenham sugerido buscar ajuda profissional, ele reage com irritação e acaba entrando em conflito com eles. Esses episódios de raiva resultaram na diminuição das visitas e ligações por parte dos filhos e amigos. 

No exemplo citado, os comportamentos do Sr. José estão resultando no afastamento de seus filhos e amigos, que buscam se aproximar e oferecer ajuda, mas encontram resistência por parte dele. Com o decorrer do tempo, essa resistência levou ao distanciamento dessas pessoas, intensificando ainda mais o sentimento de solidão experimentado pelo Sr. José. Assim, tanto os comportamentos dele quanto as reações de seus filhos contribuem para a manutenção dos problemas e dos sintomas depressivos. 

Dessa forma, todos os aspectos mencionados acima fazem parte dos processos de avaliação e formulação, que estão interligados o tempo todo durante a psicoterapia. É importante ressaltar que saber construir a conceitualização cognitiva do paciente é considerado uma competência terapêutica e, por isso, requer constante aprimoramento (Roth & Pilling, 2007).  

A conceitualização cognitiva é processo construído em conjunto entre terapeuta e paciente, sendo orientado continuamente por feedbacks. Portanto, o terapeuta deve compartilhar a conceitualização de forma que seja compreensível e significativa para o paciente. Uma conceituação que não faça sentido para o paciente não reflete uma construção colaborativa (Barletta et al., 2021).

É importante salientar que a maneira de compartilhar a conceitualização com o paciente deve ser escolhida pelo terapeuta de acordo com o que for mais compreensível, podendo incluir o uso de diagramas, fluxogramas e outras ferramentas. Além disso, a escolha da linguagem deve ser adaptada às especificidades individuais do paciente (Ferreira et al., no prelo).  

Tópicos essenciais na conceitualização cognitiva
 

Considera-se que a conceitualização cognitiva apresenta pontos semelhantes independente da demanda ou psicopatologia, como a busca dos elementos já mencionados previamente, como pensamentos, crenças, emoções, comportamentos, fatores precipitantes e de manutenção, entre outros. No entanto, a conceitualização cognitiva também apresenta especificidades, como por exemplo, considerar as características da faixa etária.

No caso da conceitualização de crianças e adolescentes, deve-se inserir os pensamentos, emoções e comportamentos dos pais, pois eles podem estar interligados com os comportamentos da criança/adolescente.

Já no caso de idosos, é importante considerar, por exemplo, as transições de papéis, os vínculos intergeracionais e aspectos relacionados a saúde na hora de construir a conceitualização cognitiva, pois todos esses elementos influenciam a percepção que o paciente tem sobre si, os outros e o futuro (Ferreira et al., no prelo). 

As evidências mais recentes que envolvem explorar a conceitualização cognitiva destacam dois pontos importantes que devem ser cada vez mais considerados ao formular um caso e, consequentemente, desenvolver um plano de tratamento. O primeiro ponto diz respeito à valorização dos pontos fortes dos pacientes. Enquanto anteriormente o foco estava exclusivamente nos problemas e sintomas, hoje compreendemos que direcionar a atenção para os pontos fortes e recursos já presentes no paciente é fundamental para motivar o tratamento e alcançar mudanças significativas. Essa abordagem permite ampliar os resultados da psicoterapia (Kuyken et al., 2010). 

O segundo ponto refere-se à importância de considerar o contexto sociocultural. Sabe-se que as questões socioculturais exercem uma influência significativa nos resultados das intervenções terapêuticas. Portanto, incorporar esses aspectos na construção da conceitualização é essencial, contribuindo para uma abordagem da TCC culturalmente sensível (Bennett-Levy et al., 2023). 

Conclusão

Dominar a habilidade de formular uma conceitualização de caso é essencial para os terapeutas em TCC. Isso não apenas auxilia os pacientes a compreenderem seu próprio funcionamento, promovendo um maior autoconhecimento, mas também capacita os terapeutas a desenvolverem planos de tratamento eficazes, adaptados às necessidades individuais de cada cliente.

Essa competência vai além de simplesmente construir a conceitualização; inclui também a habilidade de compartilhá-la com o paciente. É importante ressaltar que ambas as etapas devem ser realizadas de forma colaborativa, garantindo que façam sentido tanto para o paciente quanto para o terapeuta. Essa abordagem colaborativa não só fortalece a aliança terapêutica, mas também aumenta a eficácia do tratamento, promovendo mudanças significativas e duradouras na vida do paciente. 

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Autoras

  • Isabela Maria Freitas Ferreira 

Psicóloga pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Neuropsicóloga pelo IPOG. Mestre e Doutora em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Formação em Terapia dos Esquemas (LaPICC-USP). Terapeuta Certificada pela Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC). Membro do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental (LaPICC-USP).  

  • Beatriz de Oliveira Meneguelo Lobo 

Psicóloga e Mestra em Psicologia (área de concentração Cognição Humana) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutoranda em Psicologia em Saúde e Desenvolvimento pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCL-RP) da Universidade de São Paulo (USP), com bolsa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais e com Formação em Terapia do Esquema. Pesquisadora e Supervisora Clínica no Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC-USP da Universidade de São Paulo (USP). 

SOBRE A EDITORA-CHEFE

Carmem Beatriz Neufeld: 
Psicóloga. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP. Presidente da Associação Latino-Americana de Psicoterapias Cognitivas - ALAPCO (2019-2022). Presidente da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023).