Feridas crônicas: manejo pela enfermagem
O maior órgão do corpo humano é a pele, que por sua extensão está sujeita a diversas lesões. Para compreender melhor esse órgão, é preciso saber que ele é formado por três camadas principais: a epiderme, que é a parte externa ou visível da pele; a derme, que fica abaixo da epiderme e sustenta os vasos sanguíneos e os tecidos nervosos; e a hipoderme, que é composta principalmente por tecidos gordurosos e também é chamada de tecido subcutâneo.
O crescimento da incidência e prevalência de feridas crônicas na população brasileira representa um sério problema de saúde pública, trazendo impactos econômicos significativos, como o aumento dos custos para o sistema de saúde e a maior demanda por serviços especializados. Além disso, as feridas crônicas geram consequências psicossociais importantes, como alterações na imagem corporal, limitações para realizar atividades da vida diária e dificuldades no convívio familiar, uma vez que o cuidado com a ferida muitas vezes se torna uma responsabilidade compartilhada.
O que são feridas crônicas?
Feridas crônicas são caracterizadas como qualquer
interrupção na estrutura e nas funções normais da pele e no processo de cicatrização
, permanecendo por mais tempo na fase inflamatória, o que atrasa a fase proliferativa e prolonga o tempo de cicatrização tecidual, ultrapassando geralmente três meses.
Entre os tipos mais comuns de feridas crônicas, destacam-se as lesões por pressão, o pé diabético e as úlceras vasculogênicas (arteriais, venosas ou mistas). Nessas condições, fatores bioquímicos e fisiológicos estão envolvidos, desempenhando um papel crucial na recuperação ou na falha do processo de restauração tecidual.
Estudos evidenciam que, até 2050, aproximadamente 25% da população brasileira desenvolverá lesões cutâneas crônicas. Essa condição associa-se a diferentes fatores, como: comprometimentos vasculares, hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, neuropatias, imobilidade prolongada, transtornos nutricionais e neoplasias.
Feridas crônicas mais recorrentes
Úlceras venosas
São lesões geralmente localizadas no maléolo medial relacionadas à disfunção venosa, possuem formato irregular e são superficiais. A dermatite de ocre (hiperpigmentação da pele) geralmente está presente na região peri-úlcera. Além de apresentar edema, a região é mais quente e o pulso geralmente é normal ou aumentado.
Úlceras arteriais
Geralmente são causadas por doença arterial periférica que geram processos ateroscleróticos e acabam por dificultar ou interromper o fluxo sanguíneo arterial. Em geral, são profundas, dolorosas, as bordas são regulares, o pulso é diminuído ou ausente e o membro possui crescimento de pêlos diminuído.
Úlceras mistas
Possuem características venosas e arteriais.
Úlcera hipertensiva ou de Martorell
Localizadas nas extremidades dos membros inferiores em pacientes que possuem hipertensão arterial. Isquêmica e altamente dolorosa, comum em mulheres que possuem a pressão arterial diastólica superior a 120 mmHg. Uma característica marcante, referida pelos portadores desse tipo de úlcera, é o alívio sentido ao deixar o membro pendente.
Lesões por pressão
É uma lesão causada por pressão não aliviada localizada na pele ou nos tecidos subjacentes, muito comum em proeminências ósseas. Pode estar associada também a atrito, umidade, cisalhamento, má nutrição e outros diversos fatores. Pressão intensa no local diminui ou cessa o fluxo sanguíneo causando isquemia e morte tecidual. Ocorre geralmente em pacientes acamados e sem mudança de decúbito apropriada.
Lesão por pressão não classificável
Perda da pele em sua espessura total e perda tissular, porém não pode ser classificada por estar encoberta por esfacelo ou escara.
A evolução da ferida também pode ser determinada por características sociodemográficas e hábitos comportamentais. Dentre os hábitos comportamentais que contribuem para o agravamento das feridas crônicas, destaca-se fazer uso de tabaco, álcool, sedentarismo, alimentação ineficiente, entre outros. A natureza multifatorial da cronificação de feridas implica dificuldades no manuseio destas, bem como a necessidade de qualificação da equipe de enfermagem para tomada de decisão assertiva.
Manejo de enfermagem
Diante de um paciente com lesões crônicas, o profissional de enfermagem deve atentar-se a existência de afecções de base (diabetes mellitus, hipertensão arterial sistêmica, doença arterial periférica, entre outras), medicamentos utilizados pelo paciente, processos infecciosos, aspectos nutricionais e tudo que pode ter uma influência para cronicidade da lesão.
A avaliação e a documentação feita pelo enfermeiro deve ser confiável e minuciosa, pois a partir dos dados coletados serão feitos diagnósticos adequados, podendo identificar com maior precocidade aqueles que apresentam risco de não cicatrização das feridas. A mensuração da área, volume e perímetro de feridas crônicas é um importante dado para uma boa avaliação.
A atuação do enfermeiro no cuidado é independentemente da cura, é direcionada a uma assistência ética, integral e holística, que visa incentivar o paciente ao autocuidado, melhorando sua condição humana e aproveitando melhor os recursos disponíveis sem desperdício.
A missão do enfermeiro é melhorar a qualidade de vida das pessoas, através de uma organização das ações de enfermagem, visando as necessidades de cada indivíduo como ser único, conforme o conceito de equidade.
A assistência de enfermagem deve ter como base os parâmetros científicos, seguindo o Processo de Enfermagem. Esse processo ocorre conforme a Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE), que é legalmente conhecida pela Resolução nº 358/2009, do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN, 2009), enquanto padronização das ações da equipe de enfermagem.
Cuidar de feridas é um processo dinâmico, complexo, que requer conhecimento específico da equipe de enfermagem, que são os profissionais que irão desenvolver esse cuidado, tanto na parte de prevenção como no seu tratamento específico. Deve-se levar em consideração que as feridas evoluem rapidamente, são refratárias a diversos tipos de tratamentos e decorrem de condições predisponentes que muitas vezes impossibilitam a cicatrização normal.
Por se tratar de feridas de cicatrização lenta, é importante reconhecer todas as fases e tecidos da cicatrização para que se escolha a cobertura ideal. Durante o processo de cuidado dessas feridas, as coberturas mudam e sua escolha correta interfere na eficácia do tratamento.
O tratamento das feridas inicia-se com uma avaliação e documentação detalhada, considerando que cada paciente e cada ferida são únicos. Essa etapa é fundamental e deve preceder o planejamento e a implementação das intervenções terapêuticas, permitindo uma compreensão clara de que o sucesso do plano terapêutico, assim como a capacidade de avaliar sua eficácia, depende de uma anamnese completa do paciente. Além disso, é crucial realizar avaliações regulares dos fatores sistêmicos e locais da ferida, bem como considerar aspectos socioeconômicos, mentais e pessoais que influenciam diretamente o processo de cicatrização.
Dessa forma, é essencial que o enfermeiro seja capacitado para tomar decisões, realizar procedimentos e gerenciar sua equipe de forma eficaz. Essa preparação deve começar ainda na graduação e se estender por toda a prática profissional, permitindo que o enfermeiro ocupe plenamente seu espaço, desenvolva habilidades específicas para o manejo de lesões cutâneas e fortaleça sua capacidade crítico-reflexiva. Além disso, é fundamental que o profissional se mantenha atualizado sobre novas tecnologias e procedimentos relacionados a essa área, atuando com coerência e segurança. O cuidado deve ser sempre humanizado e íntegro, centrado no vínculo entre paciente e profissional, garantindo a proteção e o bem-estar do paciente.
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