Terapia Focada na Compaixão (TFC): o que é, objetivos e eficácia
O que é Terapia Focada na Compaixão (TFC)?
A Terapia Focada na Compaixão (TFC), ou Compassion Focused Therapy (CFT), é uma abordagem de tratamento transdiagnóstica, desenvolvida por Paul Gilbert. Ela tem por objetivo desenvolver a autocompaixão e a redução do sentimento de vergonha e autocrítica em torno das dificuldades e do sofrimento humano (Almeida & Neufeld, 2022; Gilbert, 2009).
A abordagem da TFC à compaixão é uma ciência biopsicossocial integrada de psicoterapia. Ela se inspira em práticas e filosofia budistas do alívio do sofrimento, com bases no evolucionismo, neurociências, psicologia social e neuropsicofisiologia do cuidado (Almeida & Neufeld, 2022; Gilbert, 2009, 2010).
A TFC parte da definição de compaixão, baseada na tradição budista, como “uma sensibilidade ao sofrimento em si mesmo e nos outros, com o compromisso de tentar aliviá-lo e evitá-lo” (Gilbert, 2009, 2010). Além disso, a compaixão pode ser compreendida como uma habilidade que pode ser treinada, com evidências de que sua concentração e prática podem influenciar os sistemas neurofisiológico e imunológico (Gilbert, 2009).
A psicoeducação é uma peça fundamental na abordagem da Terapia Focada na Compaixão, especialmente quando analisada sob a perspectiva neurocientífica e evolutiva da mente.
Paul Gilbert se baseou em conceitos evolutivos apresentados por Depue e Morrone-Strupinsky (2005), que abordam os sistemas de autorregulação. De acordo com esses conceitos, as diferentes motivações humanas são reguladas por emoções que, por sua vez, são influenciadas por três sistemas distintos (Almeida, Rebessi, Szupszynski, & Neufeld, 2021; Gilbert, 2009, 2010, 2014):
Sistema de detecção, defesa e proteção (sistema de ameaças): é ativado diante de situações percebidas como ameaçadoras e desencadeia respostas emocionais relacionadas à luta ou fuga. Essa reação é essencial para a sobrevivência humana, garantindo que enfrentemos perigos potenciais de forma eficaz.
Sistema de recursos, aquisição e conquista (sistema drive): está associado à busca por recursos, metas e conquistas. Esse sistema motiva as pessoas a perseguirem seus objetivos e a alcançarem suas aspirações, impulsionando à ação e à determinação.
Sistema de segurança, cuidado e satisfação (sistema calmante): é responsável por promover a sensação de segurança e conforto. Ele está relacionado ao acolhimento, ao autocuidado e ao bem-estar emocional. Quando ativado, esse sistema reduz a ansiedade e a tensão, permitindo que as pessoas se sintam tranquilas e protegidas.
A TFC trabalha estimulando habilidades de calma e afiliação para regular o sistema de ameaças (Almeida, Rebessi, Szupszynski, & Neufeld, 2021). Baseada em um modelo evolucionista, essa abordagem considera que o sentimento de vergonha e autocriticismo pode estar relacionado à psicopatologia.
A meta-análise realizada por Macbeth e Gumley (2012) revela uma forte associação entre compaixão e psicopatologia (como depressão, ansiedade e estresse). Os resultados apontam que altos níveis de compaixão estão significativamente relacionados a níveis mais baixos de psicopatologia. Dessa forma, quanto mais elevado é o nível de compaixão, menor tende a ser o nível de sintomas psicopatológicos, indicando a importância dessa qualidade emocional na promoção do bem-estar mental.
A TFC compreende que o autocriticismo surge como uma estratégia adaptativa diante de situações ameaçadoras, como abuso ou hostilidade, resultando em sentimentos de vergonha, derrota, rejeição e perseguição social, associados a memórias de eventos ameaçadores (Almeida, Rebessi, Szupszynski, & Neufeld, 2021; Gilbert, 2009, 2010, 2014).
Nesse sentido, a compaixão pode fluir em três direções distintas:
é possível receber compaixão dos outros, permitindo-nos sentir amparados e apoiados em momentos de dificuldade; sofrimentos;
é possível receber compaixão dos outros, permitindo-nos sentir amparados e apoiados em momentos de dificuldade;
a autocompaixão, que direciona a compaixão a nós mesmos, tratando-nos com gentileza e compreensão diante de nossas próprias lutas e desafios (Gilbert, 2014; Leaviss & Uttley, 2015).
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Treinamento da Mente Compassiva
O Treinamento da Mente Compassiva é uma parte essencial da TFC e envolve atividades específicas criadas para cultivar e desenvolver atributos e habilidades relacionados à compaixão.
Esse treinamento visa melhorar a regulação emocional, fortalecer a capacidade de ser gentil, consigo mesmo e com os outros, e aprimorar a forma como lidamos com as dificuldades da vida (Gilbert, 2009; Leaviss & Uttley, 2015). Algumas habilidades incluem:
- raciocínio compassivo;
- comportamento compassivo;
- uso de imagens compassivas;
- conexão com o sentimento de compaixão;
- cultivo da sensação compassiva (Gilbert, 2009).
Eficácia da TFC
Em estudo de revisão sistemática sobre a eficácia e aceitabilidade da TFC em populações clínicas, foram verificados efeitos positivos em indivíduos que enfrentam diversos problemas de saúde mental. Essa abordagem mostra-se mais eficaz quando comparada à ausência de tratamento psicológico e igualmente, ou possivelmente, mais eficaz que outras intervenções (Craig, Hiskey, & Spector, 2020).
Além disso, uma das principais contribuições da TFC é o aumento da autocompaixão, que, por sua vez, leva a uma redução significativa dos sintomas que impactam a saúde mental. Esses efeitos benéficos têm sido observados inclusive em populações desafiadoras, como pessoas com transtornos alimentares e pessoas com transtornos de personalidade.
A eficácia da TFC em grupo possui um robusto suporte de evidências, superando as intervenções individuais, sugerindo que a dinâmica de grupo e a interação social desempenham um papel importante no fortalecimento dos resultados terapêuticos (Craig, Hiskey, & Spector, 2020).
Conclusão
A abordagem da TFC tem em seu embasamento teórico na integração de conhecimentos das ciências biológicas, psicologia social, evolucionismo e neurociências. Inspirada nas práticas budistas de alívio do sofrimento, traz uma perspectiva compreensiva e enriquecedora sobre comportamento humano e o cultivo da compaixão.
Considerando os resultados dos estudos e a análise das evidências disponíveis, a Terapia Focada na Compaixão emerge como uma abordagem terapêutica altamente promissora e eficaz no tratamento de uma ampla gama de problemas de saúde mental.
Sua ênfase no desenvolvimento da autocompaixão, associada à redução significativa dos sintomas clínicos, proporciona um caminho valioso para melhorar o bem-estar emocional e psicológico dos indivíduos, inclusive para populações difíceis de tratar, como pessoas com transtornos alimentares e transtornos de personalidade.
Além disso, os efeitos positivos do tratamento em grupo enfatizam a importância do suporte social e da interação entre os participantes.
Como citar este artigo: Lobo, B. O. M., & Neufeld, C. B. (2023, 25 jul).
Terapia Focada na Compaixão (TFC)
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Editoria de Psicologia
Editora-chefe:
Carmem Beatriz Neufeld.Psicóloga. Livre docente em TCC pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutora e Mestra em Psicologia pela PUCRS. Fundadora e Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP. Presidente da Federação Latino Americana de Psicoterapias Cognitivas e Comportamentais - ALAPCCO (2019-2022). Presidente-fundadora da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023). Bolsista Produtividade do CNPq.
Referências:
Almeida, N. D. O., & Neufeld, C. B. (2022). Terapia Focada na Compaixão para pessoas com obesidade: um estudo de viabilidade. Rev. Bras. Psicoter.(Online), 139-158.
Almeida, N., Rebessi, I. P., Szupszynski, K., & Neufeld, C. B. (2021). Uma intervenção de Terapia Focada na Compaixão em Grupos Online no contexto da pandemia por COVID-19. Psico, 52(3), e41526-e41526.
Craig, C., Hiskey, S., & Spector, A. (2020). Compassion focused therapy: A systematic review of its effectiveness and acceptability in clinical populations. Expert review of neurotherapeutics, 20(4), 385-400.
Gilbert, P. (2009). Introducing compassion-focused therapy. Advances in psychiatric treatment, 15(3), 199-208.
Gilbert, P. (2010). An introduction to compassion focused therapy in cognitive behavior therapy. International Journal of Cognitive Therapy, 3(2), 97-112.
Gilbert, P. (2014). The origins and nature of compassion focused therapy. British journal of clinical psychology, 53(1), 6-41.
Leaviss, J., & Uttley, L. (2015). Psychotherapeutic benefits of compassion-focused therapy: An early systematic review. Psychological medicine, 45(5), 927-945.
MacBeth, A., Gumley, A. (2012). Exploring compassion: a meta-analysis of the association between self-compassion and psychopathology. Clinical Psychology Review32, 545–552.