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Como promover a saúde mental de crianças e adolescentes na escola?

Prevenção e promoção de saúde
 

A diferenciação dos conceitos de prevenção em saúde e promoção de saúde, quando se fala em saúde mental, é desafiadora. Uma característica que ambos possuem em comum é que ao engajar ações de prevenção e promoção de saúde mental, pretende-se atingir toda uma população alvo por meio das intervenções (O'Connell et al., 2009).

No entanto, apesar de se aproximarem nessa característica comum, as intervenções de prevenção e promoção de saúde possuem propósitos diferentes (Murta & Barletta, 2015).  

As ações preventivas objetivam reduzir a incidência e a prevalência de eventos propiciadores do desenvolvimento de dificuldades psicológicas. As ações em promoção de saúde, por sua vez, objetivam aumentar, de maneira global, a saúde, o bem-estar e qualidade de vida dos indivíduos (Nardi et al., 2015; Neufeld & Peron, 2018). Uma das formas de diferenciar os dois tipos de intervenção é considerar uma característica única da promoção de saúde, a de impulsionar o protagonismo e o controle de sua própria saúde aos indivíduos (World Health Organization [WHO], 2012; 2019).  

O fato é que os conceitos de prevenção e promoção se relacionam intimamente, e por esta razão são usados como sinônimos. Ambas as ações podem e tendem a ser realizadas conjuntamente, já que prevenir transtornos mentais pode ser um objetivo ou uma consequência de estratégias de promoção da saúde mental (WHO, 2004). Matos e Ramiro (2018) afirmam que, justamente, a melhor estratégia preventiva é promover o desenvolvimento saudável, a partir do fortalecimento de recursos pessoais e sociais.  

Especificidades da infância e adolescência
 

Evidências apontam que 80% dos problemas de saúde mental presentes em adultos surgem até os 15 anos e que metade destes problemas já estavam presentes quando os mesmos possuíam pelo menos 5 anos (Lee, 2014). Esse dado demonstra a importância de considerar a infância e a adolescência nas intervenções psicológicas, uma vez que estas são fases da vida marcadas por grande desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial (Nardi et al., 2017; Papalia & Feldman, 2013).  

Na infância, é esperado que as crianças comecem a ter consciência dos sentimentos, desenvolvendo competência nas relações interpessoais, aderindo melhor às regras da sociedade, desenvolvendo uma conduta pró-social e autoimagem positiva, em um processo de contínua escolarização (Nardi et al., 2017; Rodrigues et al., 2010). Por ser justamente na infância o momento em que são fundadas as bases para o desenvolvimento saudável e a saúde mental das crianças (Barry et al., 2013), promover estimulação nesta fase da vida pode maximizar os ganhos desenvolvimentais das crianças, além de influenciar o seu amadurecimento (Nardi et al., 2017).  

A adolescência, por sua vez, é marcada por especificidades de saúde e de desenvolvimento biopsicossocial, que passam, por exemplo, pelo crescimento do corpo e a puberdade (biológico), pela evolução do pensamento concreto para o abstrato (cognitivo), pela mudança da dinâmica nas relações interpessoais com os familiares e entre os pares (social) e pelo estabelecimento de uma identidade própria, associada a um aumento de autonomia (Moleiro, 2017).  

Ambas as fases são repletas de desafios, em que os jovens são expostos a diversas situações que exigem recursos de enfrentamento para superá-las. Se tais situações forem desafiadoras em excesso, e as crianças e adolescentes estiverem despreparados para resolver os conflitos, problemas emocionais e comportamentais podem ser desenvolvidos, trazendo efeitos negativos a longo prazo para o bem-estar físico e psicológico deles (Barry et al., 2013).  

Uma forma de efetivar a promoção de saúde nesta faixa etária é por meio da psicoeducação e da promoção de habilidades de enfrentamento, principalmente através do desenvolvimento de habilidades para a vida (HV) e habilidades sociais (HS), instrumentalizando os jovens para que sejam capazes de lidar com as demandas e dificuldades cotidianas e superar as adversidades já mencionadas (Barry et al., 2017; Nardi et al., 2017). 

Essas habilidades podem ser aprendidas a qualquer momento pelas pessoas, e sempre podem ser aprimoradas. No entanto, quando são aprendidas desde a infância, têm o potencial de precaver consequências negativas ao longo da vida e possibilitar um enfrentamento diário saudável. Por isso, trabalhar em direção à promoção e à ampliação do repertório de habilidades para a vida vem sendo o objetivo de muitas das intervenções de promoção de saúde mental na infância (Kummabutr, 2012). 

As habilidades para a vida foram propostas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (1997) como um conjunto de habilidades de: 

  • tomada de decisão; 
  • resolução de problemas; 
  • pensamento criativo; 
  • pensamento crítico; 
  • comunicação eficaz; 
  • relacionamento interpessoal; 
  • autoconhecimento; 
  • empatia; 
  • lidar com as emoções; 
  • lidar com o estresse. 

Essas habilidades são ferramentas que favorecem a saúde dos indivíduos, ao facilitarem a transformação de valores, atitudes e conhecimentos em ações positivas para consigo, com os outros e com o ambiente em que vivem (Fallas & Vargas, 1999; Diaz Posada et al., 2013). 

Os programas de promoção de habilidades para a vida demonstram ser promissores, podendo ser desenvolvidos em diferentes contextos (Gorayeb et al., 2002). Com a finalidade de proporcionar o desenvolvimento global das pessoas, através da estimulação de suas competências e de suas integrações às comunidades em que vivem, a promoção de saúde torna-se uma estratégia fundamental no contexto escolar (Rodrigues et al., 2008).  

Como a escola pode ser um ambiente propício para a promoção da saúde?
 

A escola é um ambiente propício para a realização de intervenções que promovem a capacidade de lidar com desafios de maneira não violenta e a ampliação de habilidades pessoais e socioemocionais, essenciais para o desenvolvimento do comportamento das crianças no que tange aos fatores de risco (Matos et al., 2018).

De acordo com a OMS (1997), a escola, por contar com um grande número de crianças, pelo potencial de atingir também os professores, pela alta credibilidade com os pais e a comunidade, e pela possibilidade de realizar avaliações em curto e longo prazo, constitui-se um espaço fértil para o ensino das habilidades para a vida. 

  1. As crianças passam a maior parte do seu tempo na escola.
    Aprendem a se relacionarem com seus pares, outras pessoas da comunidade escolar, e com seus professores. De acordo com Neves (2017), devido às frequentes interações dos professores com as crianças e suas respectivas famílias durante o período escolar, este profissional permite uma maior adaptação das temáticas da intervenção aos contextos da vida de cada criança e, por essa razão, quando a implementação da intervenção é feita por professores regulares, os resultados que se obtém são ainda mais positivos. Alves (2019), em sua pesquisa, constatou resultados de que os docentes têm um grande impacto positivo ao observarem e colaborarem com o desenvolvimento de competências sociais e emocionais das crianças, intervindo em manejos emocionais e na instrução de como lidar com as relações humanas, por exemplo. 
  2. As crianças aprendem de muitas formas, e dentre elas, por imitação e observação.
    Um outro efeito importante de ensinar aos professores habilidades para que estes possam ensiná-las às crianças é o de os próprios educadores passarem a constituir um exemplo positivo para elas (Alves, 2019).  
  3. Os professores são agentes ativos do clima emocional da sala de aula
    , de modo que se torna essencial que os educadores trabalhem suas próprias emoções para que sejam capazes de intervir nas habilidades para a vida dos seus alunos (Fernández-Martínez & Montero-García, 2016). Quanto maior for o envolvimento dos professores, mais empatia terão para olhar, compreender e trabalhar com os seus alunos, percebendo as suas necessidades específicas de desenvolvimento, e contribuindo para potencializar as suas capacidades (Boix, 2007). 
  4. Comportamentos de afeto positivo e sensibilidade de resposta por parte dos professores estão fortemente relacionados ao envolvimento das crianças nas atividades da escola, contribuindo para a formação dos seus interesses e aprendizagens
    (Alves, 2019). Assim, é importante que os educadores sejam conscientizados dos impactos positivos que a prática de promover habilidades para a vida das crianças proporciona. Ao assumirem que precisam atuar visando essa promoção, os professores contribuem para a formação de crianças que serão capazes de se portarem em suas vidas de maneira crítica e pautada em decisões éticas (Rodrigues et al., 2021). 

Percebe-se, então, que o fato de treinar professores para executarem programas de promoção de habilidades para a vida possui um efeito benéfico para os próprios professores participantes, como o aumento de suas habilidades sociais, emocionais e cognitivas, mas também possui um efeito multiplicador, na medida que estes profissionais passarão a reproduzir estas experiências em suas práticas docentes, beneficiando também as crianças com quem trabalham (Gorayeb, 2002).   

Quais estratégias utilizar em intervenções de promoção de saúde com crianças e adolescentes?
 

Uma estratégia que vem sendo considerada para trabalhar a promoção da saúde com crianças é a biblioterapia, que configura-se como o uso da literatura para ajudar os indivíduos a lidarem com situações estressantes e resolverem problemas enfrentados em seu cotidiano (Forgan, 2002; Maich & Keane, 2004; Sullivan & Strang, 2002. Devido ao seu caráter interventivo de baixo custo, eficiente e de alta qualidade, é uma alternativa eficaz tanto quando feito individualmente quanto em grupo (Cuijpers, 1997). 

É um método muito adequado para intervenções com crianças por envolver a leitura, uma atividade lúdica, prazerosa e familiar a elas (Cartledge & Kiarie, 2001; Thompson & Melchior, 2020). Além disso, possui o potencial de ser utilizada também por professores nas intervenções já mencionadas em escolas, uma vez que a leitura é uma atividade muito comum no contexto escolar, podendo ser facilmente incluída e adequada ao currículo regular acadêmico (Main & Kean, 2004; Sullivan & Strang, 2002). Ainda, a biblioterapia baseada na terapia cognitivo-comportamental se apresenta como uma forma eficaz de intervenção (Lyddy & Martin, 2007). 

A biblioterapia é considerada como uma abordagem efetiva para o aprendizado de habilidades sociais (Cartledge & Kiarie, 2001; Elting, 2015). Diversos autores afirmam que os livros configuram-se como um recurso interessante para promover o reconhecimento das emoções e a empatia, habilidades essenciais para o desenvolvimento sadio de crianças (Elting, 2015; Kucirkova, 2019; Thompson & Melchior, 2020).

Deste modo, nota-se que a biblioterapia pode ser uma útil ferramenta terapêutica para promoção e prevenção em saúde no contexto escolar, favorecendo o desenvolvimento saudável e bem-estar das crianças (Pulimeno et al., 2020).  

Psicologia para Crianças: um exemplo de promoção de saúde
 

O Psicologia para Crianças é um programa desenvolvido pelo LaPICC-USP para realizar a psicoeducação de conceitos psicológicos de habilidades para a vida para crianças por meio da biblioterapia, visando promover a saúde mental e qualidade de vida destas crianças. Além disso, o projeto objetiva treinar professores para que estes possam aplicar essas estratégias com as crianças, visando a democratização do conhecimento psicológico. A partir de psicoeducação, mediada pela leitura conjunta de livros publicados pelo laboratório, as crianças são incentivadas a desenvolverem habilidades importantes para a vida. 

Autoras

  • Alessandra Luzia de Rezende

Psicóloga e mestranda em Psicologia em Saúde e Desenvolvimento pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Possui formação em Psicologia Baseada em Evidências pelo InPBE. Foi co-fundadora da Liga de Terapias Cognitivo-Comportamentais da USP-RP (LiTCC-USP). Atualmente é Pesquisadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP).

  • Beatriz de Oliveira Meneguelo Lobo

Psicóloga e Mestra em Psicologia – área de concentração Cognição Humana pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais com Formação em Terapia do Esquema. Professora em cursos de Pós-Graduação em Terapia Cognitivo-Comportamental, Terapia Cognitivo-Comportamental na Infância e Adolescência e Terapia do Esquema. Supervisora Clínica. Pesquisadora Colaboradora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental - LaPICC-USP da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP).

SOBRE A EDITORA-CHEFE

Carmem Beatriz Neufeld:
Psicóloga. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP. Presidente da Associação Latino-Americana de Psicoterapias Cognitivas - ALAPCO (2019-2022). Presidente da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023).