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Empirismo colaborativo na Terapia Cognitivo-Comportamental

A
Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC)
criada por Aaron T. Beck, na década de 1960, enfatiza que pensamentos disfuncionais poderiam ser identificados, questionados e modificados de forma sistemática, utilizando evidências concretas para validar ou refutar as crenças que estariam nas raízes desses pensamentos 

O conceito de "empirismo cooperativo" surgiu da prática de testar hipóteses em situações reais da vida do paciente. Essa abordagem transforma as experiências cotidianas em um campo de testes para avaliar suas crenças sobre si mesmo. Dessa forma, o processo terapêutico se expande significativamente, pois praticamente qualquer experiência ou interação pode ser aproveitada como uma oportunidade para o paciente questionar e revisar suas previsões e interpretações negativas (Beck et al., 1979).  

Conforme ressaltado por Beck, é de fundamental importância, que primeiramente, o terapeuta esteja investido em estabelecer uma boa relação terapêutica com seu paciente, desenvolvendo um trabalho em equipe, para avaliar as crenças e testando-as para verificar se estão corretas ou modificando-as de acordo com a realidade, através de um procedimento terapêutico denominado empirismo colaborativo (Knapp & Beck, 2008).  

Dessa forma, terapeuta e paciente, por meio da colaboração, estariam investigando processos internos para desenvolverem uma compreensão mais precisa, e promoverem mudanças em nível cognitivo e comportamental. A partir de uma literatura de referência, este artigo tem por objetivo compreender, exemplificar e ressaltar a importância da prática do empirismo colaborativo na TCC.  

Empirismo colaborativo como um dos pilares da terapia
 

Nas bases do tratamento inicial proposto por Beck, já era reconhecida a necessidade de se estabelecer um relacionamento terapêutico que incluísse fatores como calor humano, empatia, genuinidade, confiança e rapport, validando conceitos como transferência e contratransferência, e a importância de que terapeutas cognitivos fossem capazes de formar e manter relacionamentos positivos com seus clientes. (Beck et al., 1979) 

Utilizar o empirismo colaborativo na TCC, significa colocar em prática uma abordagem que prioriza e valoriza a interação ativa e cooperativa entre a “dupla terapêutica”, baseado no modelo de investigação científica, que permite a ambos explorar pensamentos, crenças e comportamentos, com o objetivo de promover mudanças significativas. 

Segundo J. Beck (2022), o empirismo colaborativo se caracteriza como um dos princípios da TCC, no qual, o terapeuta utiliza a descoberta guiada para ensinar os pacientes a responderem às suas cognições disfuncionais, assim como, a formular um plano de ação. 

 É através do questionamento socrático que o terapeuta ajuda o paciente a fazer uma revisão cautelosa das evidências a fim de determinar a precisão  e a utilidade de suas ideias, ou seja, a praticar o empirismo colaborativo. A referida autora, também destaca: “ (...) evitamos desafiar as cognições (afirmando ou tentando convencer os clientes de que seus pensamentos ou crenças não são válidos), em vez disso, ajudamos os clientes por meio da reestruturação cognitiva, um processo de avaliação e resposta ao pensamento mal-adaptativo.” 

O empirismo colaborativo também é imprescindível no processo de elaboração da conceitualização de casos. Respeitados autores, ressaltam a importância do terapeuta construir de maneira colaborativa com o paciente, esse mapa que vai guiar todo o processo psicoterapêutico (Knapp & A. Beck, 2008; Kuyken et al., 2010). Kuyken et al. (2010) explicam que uma abordagem empírica conectada à conceitualização implicaria que terapeuta e cliente avaliam ativamente as conceitualizações obtidas durante a terapia.  

Terapeuta e cliente na prática do empirismo colaborativo
 

O estabelecimento e a manutenção de uma forte aliança terapêutica permite que pacientes se sintam seguros e compreendidos, e que terapeutas possam assumir o papel de facilitadores do processo investigativo de levantamento de hipóteses e que, partindo de uma relação segura, os pacientes possam ser protagonistas de sua trajetória de aprendizado pessoal (J. Beck, 2022). 

Algumas habilidades do terapeuta são essenciais para o desenvolvimento como: o uso de perguntas socráticas, que ajudem o paciente a refletir e questionar suas crenças; formular hipóteses em conjunto para que posteriormente possam ser testadas pelo paciente; e validar as emoções dos pacientes a fim de promover abertura e engajamento ao processo psicoterapêutico, respeitando o seu ritmo e tempo.  

A psicoterapia baseada nos princípios da TCC, também objetiva ser promotora de um processo educativo que estimula a postura de autopercepção, levando o paciente  a ser agente ativo durante todo o processo terapêutico, quando ensina maneiras diversas de implementar o empirismo nas diversas situações da vida. Tal conduta é estimulada através de diferentes formas de autoquestionamento e estímulo à auto reflexão, podendo ser utilizados registros de pensamentos disfuncionais e experimentos comportamentais para verificar a validade de determinadas crenças, mudanças de perspectiva e tomada de decisão. 

Tudo isso irá contribuir para a percepção de padrões cognitivos, bem como a construção de diferentes estratégias e possibilidades de enfrentamento e mudança, além de transformar a psicoterapia num processo rico e dinâmico. 

O trecho abaixo ilustra um diálogo entre paciente e terapeuta, utilizando o empirismo colaborativo: 

  • PAUL: As vozes me dizem coisas que me apavoram. 
  • TERAPEUTA: Que tipo de coisas as vozes lhe dizem? 
  • PAUL: Elas dizem para eu me machucar e para machucar as outras pessoas. 
  • TERAPEUTA: Você estaria disposto a conversar comigo sobre as vozes hoje? Talvez possamos encontrar uma forma de ajudá-lo a lidar com elas.  
  • PAUL: (Parece cauteloso.) Sim. 
  • TERAPEUTA: De quem você acha que são essas vozes? 
  • PAUL: Eu acho que são anjos... ou demônios. 
  • TERAPEUTA: Isto significa que elas são poderosas? 
  • PAUL: Sim, é claro. Isto é o que me assusta tanto. Eu tenho medo de que elas me forcem a fazer coisas ruins. 
  • TERAPEUTA: Você já fez alguma coisa ruim até agora? 
  • PAUL: Não tão ruins assim. 
  • TERAPEUTA: Como você consegue parar quando as vozes lhe dizem para fazer coisas ruins? 
  • PAUL: Eu rezo. E eu toco música alta para não ter que ouvir. E eu fico longe das pessoas que eu poderia machucar. 
  • TERAPEUTA: Parece que você usou a sua fé e resolução de problemas para encontrar algumas formas de proteger a si e aos outros. 
  • PAUL: Sim. Mas eu não sei por quanto tempo eu consigo ser mais esperto do que elas. 
  • TERAPEUTA: Talvez hoje possamos saber algo mais sobre as vozes que possa lhe ajudar. Eu tenho uma teoria de que gostaria de lhe falar a respeito e que poderia ajudar. 
  • PAUL: O que é? 
  • TERAPEUTA: Essas vozes podem ser anjos ou demônios. Ou é possível que elas sejam pensamentos na sua cabeça que lhe assustam e que na verdade não têm muito poder. Eu acho que é importante que tentemos entender exatamente quem são essas vozes e o quanto de poder elas têm. Você acha que saber mais sobre essas vozes poderia ajudá-lo? 
  • PAUL: Sim, mas eu tenho certeza de que elas não estão somente na minha cabeça. 
  • TERAPEUTA: OK. Então talvez isto seja uma coisa que deveríamos testar. 

Fonte: Kuyken, Padesk e Dudley (2010, 78-79) 
 

Desafios da prática do empirismo colaborativo
 

São incontáveis os benefícios da prática do empirismo, no entanto, é importante observar que alguns pacientes podem apresentar dificuldades em adotar a postura investigativa, especialmente por se sentirem desmotivados ou com crenças nucleares muito rígidas. Além disso, o terapeuta precisa adotar postura autoreflexiva, que visa, entre outras coisas, evitar a influência de seus próprios vieses, bem como, reduzir o risco de ser excessivamente diretivo, prejudicando a colaboração ativa do paciente. 

Importante também considerar que, pacientes com transtornos da personalidade, requerem uma ênfase mais significativa na relação terapêutica e o uso de estratégias avançadas para construir uma boa aliança de trabalho (Beck et al., 1979).   

Conclusão
 

Como podemos observar, o empirismo colaborativo é uma abordagem fundamental na Terapia Cognitivo-Comportamental que mescla teoria, ciência, aspectos individuais do paciente e habilidades terapêuticas para promover mudanças. Por meio da investigação, terapeuta e cliente exploram crenças e comportamentos, construindo alternativas e soluções baseadas em evidências. 

Concluímos que esse princípio, não apenas enriquece o processo psicoterápico, assim como, contribui para o fortalecimento da autonomia do paciente, auxiliando no enfrentamento dos desafios. Destacamos também, que se trata de uma ferramenta essencial para o fortalecimento do vínculo e para que o paciente consiga mudar e sustentar a mudança desejada ao longo da vida. 

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Como citar este artigo: Dias, E. M. A. O., Lobo, B. O. M., & Neufeld, C. B. (Nov., 2024). Empirismo Colaborativo na Terapia Cognitivo-Comportamental. Blog do Secad.

Autoras

  • Ericka Marta Alves De Oliveira Dias 
     

Graduação em Psicologia pela Faculdade de Ciência Humanas de Olinda (2003), Especialização em Terapia Cognitivo-Comportamental pela Universidade de PE (2012), Mestrado em Ciências da Saúde através de programa MINTER entre a Universidade Federal do Vale do São Francisco e a Fundação Antônio Prudente (A.C. Camargo Câncer Center) (2017). Formação em Terapia do Esquema pelo Grupo Wainer e pela International Society of Schema Therapy (ISST) (2022), Formação em Terapia Focada na Compaixão (2023), Formação em DBT (em andamento), além de ter realizado o Treinamento Online em Terapia Cognitiva Processual (2019). Atualmente é Psicóloga da UNIVASF, no Centro de Estudos e Práticas em Psicologia, e Coordenadora do Projeto de Intervenção, Pesquisa e Estudos em TCC (PIPE-TCC), atuando na área de Supervisão e Psicologia Clínica com ênfase em Psicoterapia Cognitivo-Comportamental individual e em grupo (TCCG), principalmente nos seguintes temas: Transtornos de Ansiedade, Transtornos de Humor, Transtorno Obsessivo-Compulsivo. Membro da Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC), da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências (AESBE) e da Associação de Terapias Cognitivas do Estado de Pernambuco (ATCPE), sendo a representante de Petrolina, na comissão de interiorização.   

  • Beatriz de Oliveira Meneguelo Lobo
     

Psicóloga e Mestra em Psicologia (área de concentração Cognição Humana) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutoranda em Psicologia em Saúde e Desenvolvimento pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP), com bolsa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais e com Formação em Terapia do Esquema. Pesquisadora e Supervisora no Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental (LaPICC) da Universidade de São Paulo (USP). Associada à Federação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC).