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Infecção urinária relacionada a cateter vesical: como diagnosticar e quando tratar

Cateteres vesicais (também chamadas de sondas vesicais de demora) são muito utilizadas em pessoas hospitalizados ou com doenças urológicas ou neurológicas. Com o cateter, cria-se uma comunicação direta entre o meio externo e a bexiga (normalmente estéril) e, pouco tempo após a sua inserção, já há contaminação do mesmo com a flora retal e formação de biofilme.

Por consequência, pouco tempo após a colocação da sonda, é comum haver bactérias no trato urinário. Estima-se que o risco de bacteriúria (identificação de bactérias em uma urina coletada de forma estéril) é entre 3-10% a cada dia de sondagem. Ou seja, em longo prazo, virtualmente todos os pacientes cateterizados terão bacteriúria.   

Apesar disso, deve-se atentar a definição de infecção urinária, em que a presença crescimento bacteriano na urina é fator necessário, mas não suficiente. Assim, é consenso definir infecção urinária relacionada a cateter (IURC) como a presença de
bacteriúria em pessoa com sonda vesical acompanhada de manifestações clínicas
(não atribuíveis a outra causa). Pacientes que retiraram um cateter vesical nas últimas 48 horas estão incluídos nesta definição. Estima-se que seja a principal infecção nosocomial e que 8-18% das pessoas com bacteriúria e cateterização vesical desenvolverão sintomas.   

O principal fator de risco para IURC é, como esperado, a duração da sondagem de demora. Portanto, limitação do uso de cateteres vesicais é a principal medida para prevenção desta infecção. Além disso, sexo feminino, maior idade e diabetes são outros fatores associados com o surgimento de IURC.

Do ponto de vista microbiológico, germes gram negativos (
E. coli
,
enterococcus
,
P. aeruginosa
, entre outros) dominam as listas de causas, mas cândida é uma causa bastante frequente. Além disso, resistência antimicrobiana (especialmente a beta-lactâmicos) varia de acordo com situação local, mas é um evento comum, uma vez que é uma infecção relacionada a cuidados de saúde.   

Nesta postagem, você entenderá como fazer o diagnóstico desta situação clínica e quando indicar o tratamento. Em outros materiais nossos temos orientações sobre bacteriúria assintomática em pacientes não sondados e pielonefrite. Eles são complementares a esta postagem e podem lhe ajudar a compreender mais profundamente o assunto. Confira abaixo:  

Quadro clínico e diagnóstico
 

Pacientes com IURC podem apresentar sintomas locais ou sistêmicos. Dor ou desconforto suprapúbico, obstrução da sonda, dor lombar e mesmo punho-percussão lombar positiva são manifestações mais tradicionais. Um aspecto relevante é que são sintomas que podem ocorrer em pacientes sem bacteriúria, apenas pela sondagem vesical. Outras possíveis manifestações são alteração do estado mental, letargia, mal-estar e hematúria. Pessoas que retiraram o cateter vesical podem se manifestar com sintomas mais tradicionais de infecção urinária, como disúria, urgência e polaciúria.   

Febre é uma das manifestações sistêmicas mais comuns, mas deve-se estar atento a outras possíveis causas para ela (em especial em pacientes hospitalizados) antes de atribuir à infecção do trato urinário. Além disso, IURC pode ser complicada por sepse, bacteremia e, mais raramente, focos sépticos secundários em outros sítios.    

Como vimos na definição de IURC, é necessário que haja sintomas para o diagnóstico; assim, eles devem estar presentes antes da coleta de exames de urina, para evitar o sobrediagnóstico e tratamentos inapropriados. A sociedade norte-americana de doenças infecciosas recomenda o diagnóstico quando os dois critérios abaixo são satisfeitos: 

  1. Existem sintomas compatíveis: 
  2. febre nova (ou piora do padrão), tremores, alteração do estado mental, letargia, mal-estar sem outra etiologia identificada; 
  3. dor no flanco ou ângulo costovertebral (dor lombar, com ou sem punho-percussão positiva), hamtúria aguda, desconforto pélvico; 
  4. urgência, polaciúria, disúria ou dor suprapúbica – desde que o cateter já tenha sido removido; 
  5. em pacientes com lesões na medula, aumento da espasticidade, disautonomia e mal-estar vago podem ser considerados potenciais sintomas de IURC; 
  6. Há presença de cultura de urina positiva: 
  7. Considera-se pelo menos 102 unidades formadoras de colônia de 1 ou mais espécies de bactéria em uma única amostra de urina cateterizada ou de jato médio (naqueles que retiraram cateter nas últimas 48 horas); 
  8. Observar que este é um critério mais amplo e que algumas recomendações são  mais restritivas, exigindo de 105 unidades formadoras de colônias para considerar o teste positivo;  

Em resumo, o
diagnóstico é feito na presença de cultura de urina positiva com sintomas específicos do trato urinário ou com sintomas sistêmicos (desde que eles não tenham outra causa)
. Se, de um lado, recomenda-se considerar infecção urinária na presença de leucocitúria, deve-se atentar a quantidade de leucócitos na urina não deve ser utilizada para definir a presença ou gravidade de IURC. Além disso, a presença de piúria macroscópica, urina turva, ou mal-cheirosa não são considerados sintomas de IURC e não devem desencadear a coleta de cultura de urina. Notar que para a coleta de urina em pacientes com sondagem recente, a coleta pode ser realizada de forma estéril pelo portal lateral que existe nos sistemas. Caso seja uma sonda colocada há mais de 2 semanas, a recomendação é de troca de cateter e realização de coleta pela sonda nova.  

Tratamento
 

Assim como acontece com a maioria dos quadros de infecção, em especial naqueles com repercussões sistêmicas e suspeita de sepse, o tratamento é iniciado de forma empírica mesmo antes da confirmação do diagnóstico. Desta forma, princípios de uso racional de antibióticos devem ser usados para guiar a escolha do antimicrobiano.  

A maioria dos indivíduos terá sintomas que geram a suspeita de infecção urinária complicada. Neste grupo, estão os pacientes com manifestações sistêmicas ou de trato urinário alto como febre, dor lombar, tremores, alteração do estado mental; é comum haver suspeita de sepse nestes indivíduos. Adicionalmente, pela invasão do trato urinário e exposição ao sistema de saúde (internação, procedimentos, instituições de longa pemanência, uso frequente de antibióticos), é necessário considerar tratamento inicial de mais amplo espectro, para cobrir potenciais microorganismos multirresistentes. Assim, as escolhas mais comuns são cefalosporina de terceira ou quarta geração, beta-lactâmico com inibidor da betalactamase ou mesmo carbapenêmicos em localidades ou contexto que houver alto risco de resistência extendida a beta-lactâmicos (germes ESBL).

A
Tabela 1
apresenta alguns esquemas de tratamento e comentários para sua seleção.  

Tabela 1
. Antimicrobianos selecionados para tratamento de infecção do trato urinário complicada.

Uma minoria de pacientes terá apenas sintomas baixos. Isso ocorre principalmente naqueles pacientes com sintomas após a a retirada do cateter vesical. Neste grupo pode-se realizar tratamento de infecção urinária não complicada (Tabela 2).

Tabela 2
. Antimicrobianos selecionados para tratamento de infecção do trato urinário não complicada por via oral.

Quanto à sonda vesical, ela deve ser removida sempre que possível. De outro lado, se o paciente precisar de sondagem de longa data ou por prazo indeterminado, deve-se dar preferência por treinamento e realização de sondagem intermente no lugar de cateterização contínua sempre que for possível (capacidade do paciente e/ou cuidadores). Nos casos em que não for possível, recomenda-se considerar troca do cateter vesical sempre que for necessário um novo curso de antibiótico.   

Um ponto extra: como prevenir IURC
 

Como já vimos, a principal medida para prevenir IURC e sua recorrência é suspender o uso de sondas vesicais que não são necessárias para o manejo dos pacientes ou dar preferência para estratégias de menor risco (sondagem vesical intermitente, controle de diurese sem sondagem).

Outra medida eficaz é o uso de técnica estéril para sua inserção, manter o uso de sistema fechado e remoção o mais precoce possível. Para pessoas que necessitam uso contínuo de cateter vesical, manter um fluxo de urina constante, sem refluxo parece ser a principal medida. Sondas revestidas com antibióticos, irrigação vesical ou antibióticos sistêmicos profiláticos não são benéficos; de forma semelhante, trocas de sonda com intervalos fixos também não são necessárias.  

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