Sarcopenia no adulto com doença cardiovascular: causas, formas de rastreio e tratamento

No Brasil e no mundo, a melhora na expectativa de vida resultou em um rápido crescimento da população idosa. Estima-se que em países desenvolvidos, como os Estados Unidos, 1 em cada 5 americanos terá > 65 anos de idade até 2030, e aqueles com > 85 anos representarão 20% da população adulta mais velha.
A idade é um fator de risco não-modificável para as doenças cardiovasculares (DCV) porque a base biológica do envelhecimento, incluindo alterações hormonais, imunossenescência, autofagia prejudicada, estresse oxidativo e disfunção mitocondrial, predispõe ao desenvolvimento de DCV. Além disso, o tratamento da DCV é complicado pela presença de síndromes geriátricas.
Uma síndrome geriátrica comumente encontrada entre adultos e idosos é a sarcopenia que é definida pela perda progressiva de força, massa e função muscular e está associada ao aumento do risco de morte, quedas, incapacidade, hospitalização e perda de independência.
As doenças cardiovasculares e a sarcopenia estão interligadas de forma bidirecional. A sarcopenia pode contribuir para o aumento da adiposidade, resistência à insulina e inflamação crônica, elevando o risco de eventos cardiovasculares. Por outro lado, o estado inflamatório persistente, a desnutrição e a redução da atividade física frequentemente observados em pacientes cardíacos promovem um estado catabólico, acelerando a perda muscular e favorecendo o desenvolvimento da sarcopenia.
Fatores predisponentes e causas da sarcopenia no adulto com DCV
Diversos fatores estão envolvidos no processo sarcopênico em adultos com DCV. A perda de fibras musculares do tipo II, principalmente, leva a uma redução na capacidade contrátil e geração de força por consequência. O processo de infiltração de gordura na estrutura muscular (mioesteatose) é independente da perda de massa e força muscular e acompanha o desenvolvimento das doenças cardiometabólicas.
A perda da homeostase muscular e o desequilíbrio nos processos de anabolismo e catabolismo levam a uma acentuada perda de estruturas musculares. O estado pró-inflamatório (
inflammaging
) com aumento nos níveis séricos de proteína C-reativa, IL-1, IL-6, TNF-alfa, são elementos que induzem à degradação celular com a disfunção mitocondrial como elemento chave no processo apoptótico. Outros fatores como a degeneração neuronal e perda da capacidade de ativação das unidades motoras podem potencializar a perda de função do sistema musculoesquelético em adultos com DCV.
Rastreamento e diagnóstico precoce
Diversas ferramentas podem ser utilizadas para o rastreio de sarcopenia, a depender do local e da disponibilidade de recursos. O questionário SARC-F avalia 5 domínios (
Strength
/força,
Ambulation
/caminhar,
Chair rise
/levantar-se,
Stair climbing
/subir escadas e
Fall history
/histórico de quedas). A suspeita de sarcopenia é definida quando a pontuação é ≥ 4. Já a sua adaptação SARC-F Calf adiciona a circunferência de panturrilha (CC) ao instrumento. Trata-se de um instrumento com maior sensibilidade para que o SARC-F. Pontuações maiores ≥ 11 pontos indicam possível sarcopenia.
A ferramenta de rastreio de Ishii et al. considera a idade, força de preensão palmar e a CC e foi validada na população japonesa. Utiliza um gráfico de pontuação para estimar a probabilidade de sarcopenia com cada pontuação. O questionário MRSA (
Mini Sarcopenia Risk Assessment Questionnaire
) possui de sete e cinco itens (7-MSRA e 5-MSRA) que incluem idade, atividade física, número de refeições/dia, consumo de laticínios e proteínas, número de hospitalizações e perda de peso no último ano e foi desenvolvido para a população italiana.
Já o SarSA-Mod (
Sarcopenia Scoring Assessment Models
) considera idade, peso e CC e é uma ferramenta indicada para a atenção primária à saúde e foi testado apenas na população urbana de origem do Oriente Médio. A medida de força muscular também é um indicativo de sarcopenia e pode ser avaliada através da força de preensão palmar com uso de dinamômetro e apresenta pontos de corte para homens < 27 kg e < 16 kg para homens e mulheres, respectivamente. Para membros inferiores, o tempo maior para a realização de 5 repetições no teste de sentar e levantar da cadeira é usado para definir redução de força muscular para homens e mulheres.
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Intervenções terapêuticas na sarcopenia
A coexistência de doença cardiovascular (DCV) e sarcopenia em adultos é uma condição clínica complexa que requer abordagens integradas para otimizar os resultados de saúde.
A sarcopenia, caracterizada pela perda progressiva de massa, força e função muscular, agrava o prognóstico de pacientes com DCV, aumentando o risco de incapacidade, hospitalizações e mortalidade. A atuação multiprofissional é indicada já que as alterações são multifatoriais.
A prática regular de exercícios físicos é uma das principais estratégias. Programas de treinamento resistido, combinados com exercícios aeróbicos, demonstraram melhorar a força muscular, a capacidade funcional e a saúde cardiovascular. Além disso, a atividade física promove a redução da inflamação sistêmica e o controle de comorbidades, como hipertensão e diabetes, que são fatores de risco para ambas as condições.
Recentemente, foi publicada uma revisão sistemática com o objetivo de determinar o papel da reabilitação física na sarcopenia em pessoas de 40 a 90 anos de ambos os sexos. Os resultados demonstraram que o melhor tipo de treinamento é o de força muscular com duração entre 30 a 60 minutos/sessão, com tempo mínimo de 3 meses e frequência semanal de 3x/semana sob a supervisão de um profissional com experiência na área.
A intensidade considera início com mais repetições e menos séries progredindo para mais séries com menos repetições. Uma dieta rica em proteínas de alto valor biológico, suplementada com aminoácidos essenciais como a leucina, pode estimular a síntese proteica muscular e prevenir a progressão da sarcopenia. A suplementação com vitamina D e ômega-3 tem sido associada a benefícios adicionais, incluindo melhora da função muscular e redução do risco cardiovascular.
Intervenções farmacológicas, como o uso de medicamentos para controle de dislipidemia e hipertensão, devem ser ajustadas para minimizar efeitos adversos sobre a massa muscular. Além disso, o acompanhamento multidisciplinar, envolvendo cardiologistas, geriatras, nutricionistas e fisioterapeutas, é fundamental para personalizar o tratamento e garantir adesão às intervenções propostas.
O manejo de adultos com DCV e sarcopenia exige uma abordagem integrada, combinando exercícios físicos, suporte nutricional e terapia medicamentosa, visando melhorar a funcionalidade e a qualidade de vida e reduzir complicações associadas.
Conclusão
É muito importante o acompanhamento da condição musculoesquelética em pessoas com DCV, uma vez que a sarcopenia possui alta prevalência em pacientes com insuficiência cardíaca, e maior ainda entre os descompensados, coronariopatas, com doença arterial periférica, em pacientes elegíveis para a troca valvar e após cirurgia cardíaca. Os cuidados consideram mudança de hábito, tratamento farmacológico e acompanhamento por equipe multiprofissional.