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Terapia Comportamental Integrativa para Casal (IBCT): o que é, aplicação e evidências

A Terapia Comportamental Integrativa de Casal (IBCT) foi desenvolvida como parte da terceira onda de terapias comportamentais baseadas na aceitação. Sua origem tem raízes nas abordagens comportamentais destinadas a lidar com conflitos e insatisfações conjugais (Christensen et al., 2004; Roddy, Nowlan, Doss, & Christensen, 2016).

A IBCT foi concebida com o propósito de superar certas limitações associadas à Terapia Comportamental Tradicional (TBCT). Embora esta última tenha exibido uma eficácia sólida, surgiram questionamentos relacionados à sua durabilidade e impacto clínico.

A IBCT é uma abordagem comportamental integrativa, que combina estratégias que promovem a aceitação emocional com outras voltadas para a mudança (Jacobson, Christensen, Prince, Cordova, & Eldridge, 2000).

Neste artigo, apresentaremos os fundamentos dessa abordagem terapêutica, sua aplicação prática e principais evidências.

Um novo enfoque: a aceitação

A aceitação é o elemento central da IBCT, incluindo estratégias que auxiliam os cônjuges a aceitar aspectos do parceiro que antes eram considerados inaceitáveis. 

Entretanto, é importante destacar que o objetivo dessa aceitação não é promover uma resignação ao relacionamento tal como ele é, ou uma mera aceitação passiva. Ao contrário, o propósito é utilizar os problemas insolúveis como uma oportunidade para estabelecer uma maior proximidade e intimidade no relacionamento. 

Isso significa que, para casais com dificuldade em modificar seu comportamento, a aceitação oferece uma alternativa viável para a construção de uma relação mais próxima (Jacobson, Christensen, Prince, Cordova, & Eldridge, 2000).

Paradoxalmente, o pressuposto é de que as intervenções que promovem aceitação produzam mudanças além da própria aceitação, muitas vezes com mais eficiência do que as estratégias diretas de indução de mudança. Afinal, a pressão para mudar pode ser o próprio fator que impede que a mudança ocorra.

Portanto, a IBCT busca aliviar essa pressão, permitindo que os casais explorem novas dinâmicas de relacionamento, o que, por consequência, pode desencadear transformações positivas (Jacobson, Christensen, Prince, Cordova, & Eldridge, 2000).

Bases teóricas da IBCT

Segundo a IBCT, os casais tipicamente enfrentam desafios centrados em um ou dois temas amplos em seu relacionamento. Por exemplo, a questão da interdependência versus independência (Christensen & Doss, 2017). Esse pressuposto é compreendido a partir de dois componentes dos relacionamentos afetivo-sexuais-amorosos:

a) a essência dos relacionamentos reside na interação entre os parceiros;

b) essa interação é influenciada por três fatores amplos: as características individuais de cada parceiro e o contexto no qual a interação ocorre (Christensen & Doss, 2017; Kelley et al., 2002).

Em relação às dificuldades enfrentadas por cada casal, a IBCT as conceitua através da análise DEEP, um acrônimo que verifica as características individuais de cada parceiro e o contexto em que a interação ocorre. A tabela abaixo descreve a análise e o acrônimo DEEP (Christensen & Doss, 2017).

Como é a IBCT na prática?

Avaliação e feedback

Na IBCT, o terapeuta inicia o tratamento com três sessões integralmente voltadas para a aplicação de medidas padronizadas e objetivas, juntamente com entrevistas semiestruturadas. A quarta sessão é dedicada ao feedback, proporcionando ao terapeuta a oportunidade de compartilhar as informações avaliadas com o casal (Roddy, Nowlan, Doss, & Christensen, 2016).

  • Primeira sessão: o terapeuta se reúne com ambos os parceiros, explica a estrutura do tratamento e avalia os problemas apresentados. O terapeuta também coleta um histórico do casal sobre como eles ficaram juntos pela primeira vez, o que inicialmente os atraiu um ao outro e outros aspectos positivos de seu relacionamento. O histórico também ajuda a lembrar ao casal por que eles estão juntos e o que estão tentando melhorar.
  • Segunda e terceira sessões: o terapeuta se reúne separadamente com cada membro do casal. Nessas sessões individuais, o terapeuta avalia as perspectivas de cada parceiro sobre o problema apresentado e o histórico individual de cada um, além de coletar relatos independentes de violência por parceiro íntimo, casos em andamento ou outros indicadores de que o casal pode ser inadequado para o tratamento conjunto.
  • Quarta sessão 
    (feedback)
    : o terapeuta compartilha com o casal as informações que obteve durante todo o processo de avaliação, incorporando essas informações na formulação clínica da IBCT.
  • Tema do casal: uma ou duas questões-chave a serem trabalhadas (que costumam criar a maioria das frustrações que os casais enfrentam), como: confiança, proximidade, filhos, finanças, entre outros.
  • Análise DEEP, conforme demonstrado na Tabela 1.

A IBCT considera que os conflitos surgem em torno do tema do casal devido a suas diferenças e sensibilidades emocionais. Em qualquer casal, há uma série de diferenças naturais entre a dupla, e algumas diferenças naturais causam conflitos, visto que atingem importantes sensibilidades emocionais (Roddy, Nowlan, Doss, & Christensen, 2016).

Vamos ver o caso clínico abaixo:

Por fim, o terapeuta discute com o casal o padrão primário de comunicação com o qual eles tentam resolver o tema central. A comunicação frustrante e improdutiva sobre o tema central geralmente se transforma em um padrão prototípico de comunicação ao qual os casais voltam em momentos de conflito. Durante toda a sessão de feedback, o terapeuta responde às reações do casal à:

  • conceituação do tema do casal;
  • análise DEEP;
  • “armadilha mútua”, uma situação em que os esforços bem-intencionados de cada parceiro para resolver um problema apenas o tornam pior.

Quando o casal e o terapeuta estão de acordo, o terapeuta compartilha os planos de tratamento (Roddy, Nowlan, Doss, & Christensen, 2016).

Tratamento

O tratamento na IBCT se concentra na promoção de mudanças e na construção da aceitação emocional de três maneiras específicas (Roddy, Nowlan, Doss, & Christensen, 2016):

  • União empática: o terapeuta estrutura a sessão para oferecer oportunidades para que cada parceiro revele suas sensibilidades emocionais e apoie um ao outro nessas revelações.
  • Distanciamento unificado: consiste em rotular o problema como “isso” em vez de “você”, à medida que os casais desenvolvem uma perspectiva de terceiros sobre seus problemas.
  • Aumento da tolerância às diferenças e às situações que estão fora de controle: no caso do casal descrito acima, o aumento da tolerância às diferenças poderia envolver a percepção de que as tendências de gastar e economizar de cada pessoa são parte de quem elas são e, possivelmente, o que ajudou a uni-las.
  • Ex.: Carlos, o poupador, adorava o fato de que, nos encontros, Ana sempre pagava a conta, enquanto Ana adorava o fato de que Carlos tinha um fundo para “dias difíceis”, o que lhe proporcionava estabilidade. As características que inicialmente eram muito atraentes para o outro, com o tempo, tornaram-se um ponto de discórdia.
  • Ex.: em vez de culpar o gastador, Ana, por “estourar todo o dinheiro” ou o poupador por “economizar centavos”, o casal é incentivado a se concentrar em como ambos contribuem.
  • Ex: quando o terapeuta incentiva o poupador, Carlos, a revelar que se sente assustado quando o orçamento parece fora de controle (e o gastador, Ana, a revelar que se sente controlado quando um orçamento é imposto), os parceiros podem se tornar mais empáticos e menos culpados.

Além de aumentar a aceitação emocional, a IBCT também promove diretamente a mudança de comportamento. Os terapeutas ajudam os casais a identificar, por exemplo, atividades prazerosas que cada indivíduo pode fazer pelo outro, aumentar a frequência dessas atividades e discutir o sucesso de tais esforços. 

Quando indicado, a IBCT também inclui treinamento em comunicação e estratégias de solução de problemas (Roddy, Nowlan, Doss, & Christensen, 2016).

As evidências da IBCT

Um estudo recente, abrangendo 37 pesquisas publicados entre 2010 e 2019, sobre tratamentos embasados em evidências para desafios conjugais, revelou que a IBCT atende aos critérios para ser classificada como um tratamento "bem estabelecido". Essa categorização é compartilhada pela Terapia Comportamental de Casal Tradicional, Terapia Cognitivo-Comportamental para Casais e Terapia Focada na Emoção (Doss, Roddy, Wiebe, & Johnson, 2022).

Em um ensaio clínico randomizado, com 134 casais com sofrimento grave e crônico, comparou-se a eficácia da Terapia Comportamental Tradicional de Casal (TBCT) e da Terapia Comportamental Integrativa de Casais (IBCT). Os resultados revelaram que a IBCT promoveu melhorias consistentes na satisfação ao longo do tratamento, enquanto a TBCT teve um impacto inicial mais rápido, mas com melhora mais tardia. 

Ambos os tratamentos produziram níveis semelhantes de melhora clinicamente significativa ao final do tratamento, com cerca de 71% dos casais na IBCT e 59% na TBCT apresentando melhora ou recuperação. Além disso, ambas as abordagens melhoraram a comunicação entre os parceiros e o funcionamento individual (Christensen et al., 2004).

Conclusão

Com ênfase em uma avaliação abrangente no início do tratamento e no monitoramento contínuo durante todo o processo, o objetivo do terapeuta da IBCT é trabalhar em conjunto com o casal para melhorar o relacionamento. 

Os terapeutas utilizam medidas padronizadas durante todo o tratamento para monitorar o progresso e ajustar o curso do tratamento, se as medidas indicarem que o casal não está melhorando. Além disso, a IBCT tem apresentado evidências robustas de eficácia e efetividade.

Como citar este artigo: Lobo, B. O. M., & Neufeld, C. B. (2023, 24 jul).
 Terapia Comportamental Integrativa para Casal (Integrative Behavioral Couple Therapy - IBCT). 
Blog do Secad.

Editoria de Psicologia

Editora-chefe:
 Carmem Beatriz Neufeld.Psicóloga. Livre docente em TCC pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - USP. Pós-Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Doutora e Mestra em Psicologia pela PUCRS. Fundadora e Coordenadora do Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental – LaPICC-USP. Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – USP. Presidente da Federação Latino Americana de Psicoterapias Cognitivas e Comportamentais - ALAPCCO (2019-2022). Presidente-fundadora da Associação de Ensino e Supervisão Baseados em Evidências - AESBE (2020-2023). Bolsista Produtividade do CNPq.

Referências

Christensen, A., Atkins, D. C., Berns, S., Wheeler, J., Baucom, D. H., & Simpson, L. E. (2004). Traditional versus integrative behavioral couple therapy for significantly and chronically distressed married couples. Journal of consulting and clinical psychology, 72(2), 176.

Christensen, A., & Doss, B. D. (2017). Integrative behavioral couple therapy. Current opinion in psychology, 13, 111-114.

Christensen, A., Jacobson, N. S., & Babcock, J. C. (1995). Integrative behavioral couple therapy. In: Jacobson, N. S., & Gurman., A. S. (Eds.), Clinical handbook of couples therapy (pp. 31-64). New York: Guilford Press.

Doss, B. D., Roddy, M. K., Wiebe, S. A., & Johnson, S. M. (2022). A review of the research during 2010–2019 on evidence‐based treatments for couple relationship distress. Journal of marital and family therapy, 48(1), 283-306.

Kelley, H.; Berscheid, E.; Christensen, A.; Harvey, J.; Huston, J.; Levinger, G.; McClintock, E.; Peplau, LA.; Peterson, D. Close Relationships. Percheron Press; 2002.

Jacobson, N. S., & Christensen, A. (1996). Acceptance and change in couple therapy: A therapist's guide to transforming relationships. New York: Norton

Jacobson, N. S., Christensen, A., Prince, S. E., Cordova, J., & Eldridge, K. (2000). Integrative behavioral couple therapy: an acceptance-based, promising new treatment for couple discord. Journal of consulting and clinical psychology, 68(2), 351.

Roddy, M. K., Nowlan, K. M., Doss, B. D., & Christensen, A. (2016). Integrative behavioral couple therapy: Theoretical background, empirical research, and dissemination. Family process, 55(3), 408-422.